Correio braziliense, n. 20539, 17/08/2019. Política, p. 3

 

Presidente sob pressão para vetar projeto

Rodolfo Costa

Renato Souza

Jorge Vasconcellos

17/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro sinalizou que não cederá a pressões dos próprios eleitores para vetar integralmente o Projeto de Lei 7596/2017, que criminaliza o abuso de autoridade, aprovado pela Câmara dos Deputados. De acordo com ele, um dos pontos que poderão ser excluídos é o que pune com prisão as autoridades que determinarem o uso de algemas de forma irregular.
“O que tenho ouvido falar, tem muita coisa, até botei algumas perguntas no Facebook ontem (quinta-feira). ‘Veta, veta, veta’. Você já leu o projeto? Ninguém leu. Tem coisa boa, tem coisa ruim, não sei”, afirmou. “Eu não quero é, no primeiro momento, o policial militar, se é que isso está e não sei se está lá (no texto), o cara vir algemar alguém de forma irregular e ter uma cadeia para isso. Isso não pode existir. O resto a gente vai ver, analisar. Vetando, sancionando ou vetando parcialmente, eu vou até levar pancada. Vou apanhar de qualquer maneira. Muitas vezes ‘sim’ ou ‘não’, ou abstenção, você apanha.”
Fato é que o projeto tem encontrado forte resistência, principalmente entre instituições e entidades. O Ministério Público, por exemplo, vê o PL com indignação e pede a Bolsonaro que o vete. A avaliação no órgão é que os parlamentares aproveitaram uma crise envolvendo a Operação Lava-Jato no Paraná para aprovar o texto. Promotores de Justiça do Estado de São Paulo — que integram 15 núcleos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP estadual — divulgaram nota dizendo que a intenção do projeto é “impedir, acuar, dificultar e inviabilizar o exercício responsável, eficiente e eficaz da atividade investigativa, repressiva e punitiva do MP e de outros órgãos e instituições reconhecidas e admiradas pela sociedade”.
Já o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), Rafael Sampaio, anunciou que a entidade está preparando uma nota técnica, a ser enviada a Bolsonaro, também com pedido para que a matéria seja vetada, porque “inviabiliza a atividade policial”. Além de criticar o ponto que trata do uso de algemas, ele condenou o item que prevê a condução coercitiva apenas nos casos em que o investigado descumpre uma intimação para prestar depoimento.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) afirmou, por sua vez, que a medida tem “clara finalidade de intimidar agentes públicos responsáveis pelas investigações”. De acordo com a entidade, o texto não contou com debate amplo na sociedade e foi articulado em uma legislatura anterior no Senado. “A Fenapef observa que o projeto foi proposto por um grupo de (ex) senadores que não são mais parlamentares da Casa; com pouca ou nenhuma discussão pela sociedade civil e aprovado na calada da noite pela Câmara”, diz um trecho da nota.
A Fenapef destacou ainda que o combate ao crime será prejudicado caso o projeto entre em vigor. “No entendimento da federação, o amplo subjetivismo da lei e a imputação de novos crimes aos policiais, juízes e promotores têm o objetivo de impedir a atuação desses agentes públicos e frear as investigações contra a corrupção e o crime organizado”, emendou a entidade, frisando que enviará a Bolsonaro um pedido de veto à matéria.

Constituição

O advogado Miguel Gualano de Godoy, professor de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), disse que o projeto foi aprovado na esteira de diversas decisões judiciais de legalidade controversa. No entanto, ele observou que já há instrumentos para coibir certos tipos de abusos. “O projeto busca tratar como ilícito condutas que estão na seara típica de atuação do MP e dos juízes, cuja independência funcional é garantida pela Constituição”, ressaltou. “Medidas e decisões que se reputem erradas comportam recursos. E aquelas que são tomadas em manifesto desacordo com a lei e de forma dolosa, já possibilitam responsabilização dos agentes públicos.”
Já o advogado criminalista Willer Tomaz afirmou que a tipificação criminal do abuso de autoridade é uma conquista, e não uma tentativa de asfixia das grandes investigações em curso no país. “O que se busca é a proteção do indivíduo e o respeito às leis. Essa votação está pendente desde 2017 e apenas coincidiu com o cenário atual, de escândalos envolvendo autoridades dos Três Poderes”, defendeu.
Ataque de hackers
A aprovação relâmpago da matéria ocorreu na sequência do ataque hacker à Lava-Jato e da publicação de supostos diálogos entregues pelos cibercriminosos ao site The Intercept. As conversas indicariam parcialidade na atuação do então juiz Sérgio Moro e de procuradores da Lava-Jato, como o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Vetando, sancionando ou vetando parcialmente, eu vou até levar pancada. Vou apanhar de qualquer maneira”
Jair Bolsonaro, presidente da República

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Juízes preparam manifestação

Bernardo Bittar

17/08/2019

 

 

Contrários à aprovação do PL de abuso de autoridade, magistrados do Distrito Federal estão organizando um movimento para terça-feira, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de questionar o que qualificam como “violação da independência dos juízes”. Eles vão se reunir às 14h e, no fim da manifestação, seguirão ao Palácio do Planalto para entregar uma carta ao presidente Jair Bolsonaro.
À frente do evento está a Associação de Magistrados do DF (Amagis-DF), que pede o veto ao projeto. Instituições nacionais, como a Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe), Associação de Magistrados do Brasil (AMB) e Associação do Ministério Público do DF e dos Territórios (AMPDFT), devem comparecer.
O presidente da Amagis-DF, Fábio Francisco Esteves, disse que o texto do PL “abre muito a lista de condutas que podem ser qualificadas como abuso de autoridade”. Sendo assim, frisou o magistrado, “questões de interpretação podem fazer com que a atividade do juiz acabe se tornando irregular”.
O projeto, aprovado pela Câmara na quarta-feira, foi avalizado pelo Senado em abril de 2017 e segue agora para a sanção do presidente da República. A matéria prevê mais de 30 ações que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão. Segundo o texto, as condutas somente serão crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero capricho ou satisfação pessoal. Já a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não será considerada, por si só, abuso de autoridade.
Conduções coercitivas manifestamente descabidas, prisão sem conformidade com as hipóteses legais e manutenção de presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento são algumas das condutas criminalizadas no projeto. O texto também prevê penas para o agente que impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; fotografar ou filmar um preso sem o seu consentimento ou para expô-lo a vexame; colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão; e impedir ou dificultar, por qualquer meio, sem justa causa, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
Está sujeito a ser enquadrado qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Incluem-se nesse rol, portanto, os funcionários públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; membros dos Três Poderes, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas. A nova lei será aplicada ainda a todo aquele que exercer, mesmo de forma transitória e sem remuneração, qualquer forma de vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade pública.