O globo, n.31463, 28/09/2019. Economia, p. 21

 

Sem carteira 

Daiane Costa 

28/09/2019

 

 

A taxa de desemprego recuou em agosto, para 11,8%, em movimento favorecido pelo aumento da informalidade, que bateu recorde. Atualmente, 38,8 milhões de pessoas, ou 41,4% da mão de obra nacional, trabalham sem carteira ou amparo legal.
Omercado de trabalho deu sinais de recuperação em agosto — com a taxa de desemprego cedendo de 12,3% para 11,8% —, mas ainda há 12,6 milhões de pessoas procurando uma vaga, informou ontem o IBGE. A maioria só consegue um emprego na informalidade. Já são 38,8 milhões nesta condição, o equivalente a 41,4% das pessoas ocupadas. Esse grupo de empregados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria nunca foi tão grande. São pessoas como o garçom Marlon Ferreira de Azevedo, de 35 anos, que vende sonhos nas ruas do Centro do Rio. Hácincoanoselenãoconsegue emprego com carteira assinada e, nos últimos meses, também viu os bicos desaparecerem. Segundo Azevedo, as festas infantis e de casamento, que garantiam o mínimo para ele sobreviver, ficaram cada vez mais escassas. Como sua mulher também está desempregada,eosdoistêmumfilho de 6 anos, há pouco mais de um mês ele se viu obrigado a trabalhar na rua. —Passei por um carrinho de venda de sonhos na (avenida) Presidente Vargas e parei para perguntar ao vendedor se dava dinheiro. Ele me deu um para provaremeensinouondeficava o fornecedor do doce. Eu tinha receios de não vender e da fiscalização, mas, no meu primeiro mês, já consegui tirar R$ 1.200 — conta o garçom, que ainda espera conseguir um emprego com carteira e não parou de procurar. Apesar de a recuperação do mercado de trabalho ser lenta, a melhora começa a ganhar tração. Um dos sinais veio da indústria, que foi o setor com maior número de vagas abertas no trimestre encerrado em agosto: 272 mil postos de trabalho a mais em relação a maio. A construção civil também mostrou reação, abrindo 181 mil novas vagas. O serviço doméstico ganhou 109 mil novos postos. Em relatório divulgado ontem, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) destaca que a reação da indústria não só superou a fase de quedas da virada do ano como vem assumindo um ritmo de crescimento mais razoável.
— O crescimento na indústria está bem espalhado e é majoritariamente de trabalhadores por conta própria, assim como na construção. São empregados nas confecções têxteis e na indústria de alimentos, principalmente no beneficiamento de comida. Na construção, são autônomos trabalhando em obras
de edifícios — explica Adriana Araújo Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimentos do IBGE. Outro indicativo de que a população começa a perceber uma retomada gradual foi a queda do desalento. A taxa, que contabiliza desempregados que desistiram de buscar trabalho e vinha crescendo continuamente, caiu 4% em relação ao trimestre encerrado em maio e hoje atinge 4,7 milhões. —As pessoas estão tendo a percepção de uma melhora da economia e, com isso, se motivam a voltar a procurar trabalho ou a vender algo na rua — avalia Maria Andreia Parente, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
CRESCIMENTO RESTRITO
Por outro lado, a chamada subocupação cresceu 8,5% em relação ao mesmo período do ano passado e alcançou novo recorde: 7,2 milhões de empregados. São pessoas que trabalham menos de 40 horas por semana e gostariam de ter uma carga horária maior, mas não encontram serviço. É o caso de autônomos ou de quem faz bico.
Com o desemprego cedendo via informalidade, onde os ganhos são mais baixos, a renda média do trabalhador ficou estagnada, em R$ 2.298. Por essa razão, mesmo com mais gente empregada, a soma total dos rendimentos dos trabalhadores também não cresce. Em agosto, ela foi estimada em R$ 209,9 bilhões. Isso é ruim para a economia, avaliam especialistas. Para o Iedi, o baixo dinamismo do emprego formal continua restringindo o crescimento da economia brasileira: “Como costumam contar com maiores salários, esta evolução do emprego formal pode estar contribuindo para o desempenho adverso do rendimento real do trabalho, em queda desde o trimestre anterior”, diz o documento. Maria Andreia, do Ipea, avalia que a reação do emprego com carteira deve ocorrer só no ano que vem: —Anossaprevisãoparaaexpansão da economia em 2020 é de 2,1%. É pouco? É. Mas, se ela se confirmar, será o dobro do registrado nos três anos anteriores. Isso quer dizer que haverá mais demanda, mais vendas e, para isso, será preciso contratar mais pessoas. Com a informalidade batendo recorde em agosto, o percentual de trabalhadores empregados que contribuem para a Previdência voltou a se aproximar de seu mínimo histórico.