Título: O difícil é cassar
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 11/11/2012, Política, p. 2

Com três deputados e um suplente condenados na Ação Penal 470, Câmara tem histórico de absolvição. Desde 2005, quatro dos 111 parlamentares processados no Conselho de Ética perderam o mandato

Com a proximidade do fim do julgamento da Ação Penal 470, a principal dúvida é sobre o futuro político dos deputados federais condenados no escândalo do mensalão. O assunto é controverso, mas o entendimento vigente no Legislativo é de que um parlamentar só perde o mandato se o Congresso decidir pela cassação, mesmo quando há condenação judicial. Como a Câmara dos Deputados irá se comportar diante de um caso tão polêmico, ninguém sabe. Olhando para o passado, no entanto, vê-se uma Casa que arquiva muito e pune pouco. Nos últimos oito anos, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar instaurou 111 processos. Apenas quatro culminaram com a perda de mandato, 3,6% do total.

Entre 1949 e 2011, 179 deputados federais acabaram cassados. A maior parte (150) foi punida durante o período militar. Desde 2005, quando o mensalão veio à tona, 11 parlamentares perderam o mandato. Sete por conta de decisões judiciais, das quais quatro oriundas da Justiça Eleitoral. É o caso do único cassado em 2011: Chico das Verduras (PRP-RR), punido por compra de votos. Em 2012, três deputados responderam a processos no Conselho de Ética. Nenhum perdeu o mandato. Nos três casos as representações foram arquivadas sem nem sequer chegarem a ser investigadas. Há, ainda, situações em que o Conselho de Ética aprova o parecer pela cassação, mas o plenário da Câmara mantém o parlamentar na função. A perda de mandato pode ser declarada com maioria absoluta dos votos (257 dos 513 deputados) ou pela Mesa Diretora, no caso, por exemplo, das condenações feitas pela Justiça Eleitoral.

O caso do mensalão, no entanto, entra em uma exceção prevista no Regimento Interno da Câmara. O artigo 240 da legislação diz que nos casos de condenação criminal com sentença transitada em julgado, a representação deve ser encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). O resultado final, no entanto, continua sendo decidido em plenário, em votação secreta.

Opinião pública Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, João Paulo Peixoto defende que o futuro dos deputados condenados no caso do mensalão não pode ser deduzido a partir do histórico de baixa punição observado nos últimos anos. “Esse processo tem características especiais. A exposição junto à opinião pública deu dimensão e simbolismo forte ao caso do mensalão e eu não acredito que o plenário possa julgar eventuais processos de cassação (de envolvidos na Ação Penal 470) da forma como julgou outros casos”, disse. Foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal os deputados Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Ex-presidente do PT, o suplente José Genoino (SP) deve assumir o cargo de deputado em 1º de janeiro, apesar de pessoas próximas a ele afirmarem que o desgaste sofrido durante o julgamento possa fazê-lo desistir de voltar à Câmara.

Até agora, o mensalão provocou a cassação de três parlamentares. Roberto Jefferson (PTB-RJ), que teve 313 votos pela perda de mandato e 156 pela absolvição; o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT-SP), com o placar de 340 a 108; e Pedro Corrêa (PP-PE), que teve 261 votos contrários à manutenção do mandato e 166 a favor. O plenário da Casa não agiu com tanto rigor com outros seis envolvidos no caso do mensalão. Romeu Queiroz (PTB-MG), Professor Luizinho (PT-SP), João Magno (PT-MG), João Paulo Cunha (PT-SP), José Janene (PP-SP) e Pedro Henry (PP-MT) foram absolvidos pela Casa.

Sobre as futuras decisões a respeito escândalo, João Paulo Peixoto defende que “dificilmente a Câmara vai contra o trabalho de sete anos do STF”. Mas quando o assunto é o histórico recente da Casa, o cientista político Rafael Cortez ,da Tendência Consultoria e professor da PUC-SP, afirma que a formação da base governista na Câmara não interfere somente na votação de projetos, mas na decisão a respeito de casos de cassação. “Certamente, o processo de perda de mandato é um processo político”. Para ele, o voto secreto, nesses casos, diminui o “custo da decisão”. Cortez também acredita que, em alguns casos, o voto pela absolvição de um parlamentar pode ser usado como “moeda de troca” em defesa de outros interesses.

Presidente do Conselho de Ética, o deputado José Carlos Araújo defende o fim do voto secreto. “Ele favorece a absolvição. Ninguém tem coragem de se expor, em determinados casos”, afirmou. No colegiado que preside, assim como no âmbito da CCJ, o voto é aberto. A PEC 86, que acaba com o escrutínio secreto em casos de perda de mandato, começou a tramitar no Senado em setembro de 2007. Foi aprovada em julho de 2012 e encaminhada à Câmara, onde aguarda para ser apreciada, votada em plenário e, enfim, virar lei.

Quem é quem Saiba quais são os deputados federais condenados no julgamento do mensalão. As penas ainda não foram calculadas

João Paulo Cunha (PT-SP) Ex-presidente da Câmara » Foi condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro

Pedro Henry (PP-MT) Ex-líder do PP na Câmara » Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Valdemar Costa Neto (PR-SP) Ex-presidente do Partido Liberal (atual PR) » Condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha

SUPLENTE

José Genoino (PT-SP) Ex-presidente do Partido dos Trabalhadores » Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha

Fotos: Brizza Cavalcante/Agência Câmara, Ivaldo Cavalcante/Agência Câmara, Leonardo Prado/Agência Câmara e Cadu Gomes/CB/D.A Press

Balanço » 179 deputados federais foram cassados entre os anos de 1949 e 2011. Desse total, 150 parlamentares perderam o mandato entre os anos de 1963 e 1979. A perda de mandato de 149 deles foi determinada por ato institucional, durante o período militar

» A exceção ocorreu na cassação do deputado Chico Pinto. O parlamentar acabou processado pelo Executivo após discursar contra as violências de Pinochet. Perdeu o mandato em 1974 por decisão da Mesa da Câmara

» Entre 2005 e 2012, 111 processos tramitaram no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. Nesse período, 11 parlamentares foram cassados na Casa, dos quais, sete perderam o mandato após decisões da Justiça. Os outros quatro responderam a processos no âmbito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, o que corresponde a apenas 3,6% do total de processos registrados no período

Confira lista dos parlamentares que perderam o mandato entre 2005 e 2012

Nome Data da cassação

André Luiz 4 de maio de 2005 Paulo Marinho 11 de agosto de 2005 Roberto Jefferson 14 de setembro de 2005 José Dirceu 30 de novembro de 2005 Ronivon Santiago 21 de dezembro de 2005 Janete Capiberibe 26 de janeiro de 2006 Pedro Corrêa 15 de março de 2006 Walter Brito Neto 18 de dezembro de 2008 Juvenil 31 de março de 2009 Jerônimo Reis 4 de agosto de 2010 Chico das Verduras 11 de maio de 2011

Passo a passo Confira como é o processo de cassação de um mandato de deputado » Oficialmente, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados tem a atribuição de aplicar penalidades em casos de quebra do decoro parlamentar. Mas nos casos de cassação de mandato, a palavra final é do plenário da Casa

» O conselho só pode se manifestar se provocado pela Mesa Diretora ou por algum partido político. A representação não pode ser feita por um cidadão comum ou um parlamentar, isoladamente

» Após recebimento da representação, o presidente do conselho instaura o processo. Em seguida, ele sorteia três nomes entre os integrantes do colegiado e escolhe um deles para ser o relator » É elaborado um relatório preliminar com base, apenas, nas informações contidas na representação incial. Nessa fase, não há apuração. O relator só opina pela admissibilidade ou não do que foi apresentado ao colegiado

» O parecer preliminar vai a votação no plenário do conselho. Se não houver fortes indícios de culpa, os parlamentares tendem a votar em benefício do réu. Se o parecer pela admissibilidade da representação for aprovado no plenário do conselho, é iniciada a investigação

» Em seguida, é elaborado um novo parecer, que é levado, novamente, ao plenário do conselho. Nessa instância, o voto permanece aberto. Se a decisão for pela condenação, o processo segue para o plenário » Nessa fase, o voto é secreto. A condenação só ocorre se a maioria absoluta dos 513 deputados federais votar nesse sentido

» Os deputados condenados no processo do mensalão, no entanto, não passarão por processo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. O artigo 240 do Regimento Interno da Casa prevê que casos de condenação criminal com sentença transitada em julgado devem ser encaminhados à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ)

» Depois de recebida e processada a representação na CCJ, o deputado terá prazo de cinco sessões para apresentar defesa escrita e indicar provas. Se a defesa não for apresentada, o presidente da comissão deverá nomear um defensor para o parlamentar

» Quando a defesa for apresentada, a CCJ realizará as diligências que julgar necessárias. No fim, apresentará parecer concluindo pela procedência da representação ou pelo arquivamento.

» O parecer será apreciado e votado em plenário, com voto secreto. A maioria absoluta (257 votos) dos parlamentares definirá pela perda ou pela manutenção do mandato

Fontes: Constituição, Regimento Interno da Câmara dos Deputados, Conselho de Ética da Câmara dos Deputados