Correio braziliense, n.20550, 28/08/2019. Economia, p.8

 

Desaceleração global prejudica PIB do Brasil

Rosana Hessel

Augusto Fernandes

Rafaela Gonçalves

28/08/2019

 

 

Conjuntura » Com mercado interno enfraquecido pela queda de investimento, alto índice de desemprego e recuo da renda, guerra comercial entre os dois principais parceiros brasileiros tira o fôlego das nações emergentes e derruba expectativa para o crescimento neste ano

Com o aumento da expectativa de desaceleração da economia global, o cenário para países emergentes se torna cada vez mais desafiador. Em meio aos temores de uma nova recessão nos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo, as nações em desenvolvimento acabam sendo afetadas diretamente. As moedas desvalorizam, e as previsões de expansão diminuem enquanto EUA e China travam uma guerra comercial que afeta a todos. O Brasil liderou as perdas nos últimos dias e acumula desvalorização de 15% do real nos últimos 30 dias, de acordo com os cálculos de André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.

Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o aumento da tensão externa pode afetar o Brasil em 0,2 ponto percentual, mas o PIB do segundo trimestre ainda não deve refletir essa piora no cenário internacional. “O PIB do segundo semestre pode ser afetado pela piora adicional na Argentina e no mundo, e a nossa projeção de 0,9% pode vir pior do que isso”, disse ele, que pretende revisar a estimativa para 0,7%. “O maior problema é para 2020 com o cenário internacional em crise mais profunda. Devemos revisar o PIB do ano que vem de 2% para 1,5% quando for divulgado o resultado na quinta-feira”, antecipou.

As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que o mundo está crescendo menos, assim como as economias em desenvolvimento neste ano (veja quadro ao lado). A Índia com sua explosão populacional segue na contramão do mundo e deverá continuar crescendo até mais do que a China. O país asiático apresentou a menor evolução do PIB desde 1992, ao crescer 6,2% no primeiro trimestre.

Amanhã, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga o PIB nacional do segundo trimestre. Há expectativa no mercado de crescimento de no máximo 0,4% ou até mesmo negativo em até 0,3%. Se isso acontecer, o país entrará em recessão técnica, pois o PIB encolheu 0,2% no primeiro trimestre do ano. A estimativa do FMI para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deste ano está em linha com a do governo e a do mercado, de 0,8%. Esse dado, no entanto, é 1,3 ponto percentual inferior ao que o Fundo esperava em abril: 2,1%.

A certeza entre analistas é de que o país terá um grande desafio pela frente: voltar a crescer com o mundo desacelerando. Segundo Luka Barbosa, economista sênior do Itaú Unibanco, a relação entre o crescimento do Brasil com o mundo é de 1x1, ou seja, “se o mundo deixar de crescer um ponto percentual, o PIB nacional desacelera um ponto percentual”. Logo, o enfraquecimento da atividade nos Estados Unidos e na China afeta os emergentes, e, em especial, o Brasil, que tem nessas duas economias os maiores parceiros comerciais. “O crescimento da China determina o preço das commodities no mundo, e isso afeta o Brasil diretamente, inclusive, os investimentos. Como o mundo está desacelerando com essa nova guerra comercial, isso dificulta o crescimento da economia brasileira”, afirmou.

A desaceleração chinesa afeta as exportações nacionais, que recuaram 1,25% no acumulado de janeiro a julho, conforme dados do Ministério da Economia. “Antigamente, a gente ouvia falar em recessão global, mas, só agora, conseguimos enxergar que está chegando. Mas não conseguimos prever qual a dimensão ainda”, disse o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, reforçou que “problemas domésticos” também empacam a economia brasileira. “Com o baixo número de investimento e o consumo das famílias crescendo pouco, além do alto número de desempregados e da queda no nível de renda, a tendência é de que haja uma retração do PIB em relação ao primeiro trimestre”, analisou. Agostini está entre os mais pessimistas e espera queda de 0,3% no PIB do segundo trimestre, mas acredita que o resultado, independentemente de ser positivo ou negativo, não será um susto para o governo.

Mais fraco

Veja como o PIB de algumas economias em desenvolvimento devem desacelerar neste ano, acompanhando a economia global

Variação do PIB (em %)

País    2018    2019*

Argentina    -2,5    -1,2

Brasil    1,1    0,8

Chile    4,0    3,4

China    6,6    6,2

Índia    6,8    7,0

México    2,0    0,9

Paraguai    3,7    3,5

Peru    4,0    3,9

Uruguai    2,1    1,9

Venezuela    -18,0    -25,0

Mundo    3,6    3,2

Emergentes    4,5    4,1

Ásia emergente    6,    6,2

*Projeção

Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI)

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Raul Velloso defende investimento público

Thaís Moura

28/08/2019

 

 

Para o economista e ex-secretário de Assuntos Econômicos do antigo Ministério do Planejamento Raul Velloso, o Brasil precisa de uma “retomada nos investimentos” para voltar a crescer. Em entrevista ao CB Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, ele afirmou que “ainda não deu muito tempo para as coisas acontecerem”, em referência à decolagem da economia. Apesar de considerar pouco exíguo para cobrança, diz que o foco para crescer mais tem que ser a retomada dos investimentos. “Em particular dos públicos, que é quem tem pago boa parte dos ajustes, dos gastos correntes, que estão por aí e que são muito difíceis de evitar em qualquer governo que seja”, afirmou.

No entanto, o especialista ressaltou que ainda há outros problemas, como o “gasto corrente excessivo” do governo. “Precisamos diminuir o gasto corrente e criar espaço para o investimento público crescer”, disse. Para ele, esse é o grande desafio do governo. “O gasto é protegido por leis, pela própria Constituição, para evitar que os cortadores vão lá e cortem. A disputa política se dá aí, e infelizmente quem paga a conta é o mais fraco. Já os investimentos deveriam ser preservados, porque são eles que vão gerar os empregos que estão faltando no país”, disse.

Para reequilibrar as contas, Vel-loso acredita que é preciso “atacar” em dois pontos específicos: a Previdência e assistência social. “Esses dois itens dominam praticamente todos os gastos da União, mas todos são como se fossem pagamentos das pessoas. E é aí que nós temos de atacar. Por quê? Porque esses itens dominam hoje o gasto. Nós, lá atrás, quisemos fazer o Brasil um país de aposentados e beneficiários de programas de transferência de renda, e fizemos isso, mas a conta chegou, e não dá para gastar tanto quanto estamos gastando, tem que recuar.”

Em relação às mudanças em tributos, o economista alertou que, “toda reforma tributária sempre piora a vida de um grupo e melhora a de outro”. “Muitas vezes você troca um determinado imposto por uma outra forma de tributar, por uma outra alíquota, mas nunca ninguém explicita quanto e quem vai ganhar, e quanto e quem vai perder. Então, quem vai ganhar fica quieto, só age nos bastidores defendendo aquela proposta, e quem está perdendo está abrindo o bico o tempo inteiro”, constatou.

Durante o programa, Velloso elogiou a reforma da Previdência, mas criticou a retirada dos estados da proposta aprovada em primeiro turno da Câmara dos Deputados. “É preciso examinar os motivos pelos quais a Câmara tirou o apoio da inclusão dos estados, mas, de fato, o maior problema (da reforma da Previdência) é o deficit do conjunto dos estados que não só deveriam estar na proposta, como deveriam encabeçar a reforma”, concluiu.