Correio braziliense, n.20555, 02/09/2019. Economia, p.7

 

Macri intervém no câmbio

Alessandra Azevedo

02/09/2019

 

 

Conjuntura » Para tentar frear corrida por dólar, governo argentino determina que qualquer operação de compra ou transferência de moeda estrangeira seja autorizada pelo Banco Central do país. Não há limite de retirada para quem tem conta em outras divisas

Após uma semana politicamente instável e de forte desvalorização da moeda local, o peso, o governo argentino autorizou o Banco Central do país a intervir mais ativamente no mercado de câmbio. Em decreto publicado ontem no Diário Oficial, o presidente Mauricio Macri decidiu que, até 31 de dezembro deste ano, toda compra de moeda estrangeira precisará ser previamente autorizada pelo BC. O objetivo é conter a depreciação do peso e frear a corrida para compra da divisa americana.

A regra vale para compra de moeda estrangeira e de metais preciosos e para transferências ao exterior, que também dependerão do aval do BC. A autoridade monetária ainda deve regulamentar algumas das medidas previstas no decreto, mas já adiantou que vai distinguir as operações de pessoas físicas e jurídicas. Segundo o governo, os pequenos e médios poupadores serão protegidos por um controle cambiário menos estrito do que o proposto aos grandes players do mercado.

O BC informou que compras e transferências de pessoas físicas para o exterior ficam limitadas a US$ 10 mil por mês, o que equivale a 600 mil pesos. Mas quem tem poupança em dólares está liberado para sacar os valores, sem restrição. “Ninguém está limitado para retirar dólares de contas, nem pessoas físicas nem empresas. Não há nenhum impedimento ao comércio exterior. Não há restrições sobre viagens”, diz o decreto.

O governo fez questão de garantir essa liberdade para não repetir o que houve em 2001, quando a Argentina adotou a restrição de saque de poupança, o chamado corralito (ou cercadinho). À época, a iniciativa gerou uma grave crise econômica e política no país. Mas com as medidas anunciadas ontem pelo governo argentino, será possível “proteger poupadores e alcançar maior estabilidade cambial”, garante o documento.

Prevendo uma corrida de correntistas às agências para sacar os valores disponíveis, o governo também passa a permitir, a partir de hoje, que as agências aumentem em até duas horas o horário de funcionamento neste mês. De acordo com a publicação argentina Clarín, alguns bancos já reforçaram os estoques de dólares das sucursais para atender a demanda.

Regulamentação

O decreto também permite que o BC crie uma regulamentação própria para evitar práticas especulativas usando títulos públicos. Os donos de alguns títulos com vencimento original fora do limite ficam liberados para usá-los em pagamento para cancelar obrigações com a previdência social, como contribuições, com vencimento em 31 de julho de 2019.

Apesar de serem medidas intervencionistas adotadas por um presidente liberal, que resistiu ao controle cambial ao longo do mandato, o governo defende que elas são necessárias diante dos “diversos fatores que impactaram na evolução da economia argentina e da incerteza provocada nos mercados financeiros”, segundo o decreto.

Com elas, Macri pretende “assegurar o funcionamento normal da economia, sustentar o nível de atividade e emprego e proteger os consumidores”. Além disso, as medidas devem “contribuir para uma administração prudente do mercado de câmbios, reduzir a volatilidade das variáveis financeiras e conter o impacto de oscilações dos fluxos financeiros sobre a economia real”, detalhou a publicação no Diário Oficial.

Apagar das luzes

Com o mandato prestes a acabar, em 10 de dezembro, Macri recorre, agora, a medidas de controle cambial que havia descartado quando assumiu a Presidência, em 2015, devido ao contexto político e internacional. O decreto foi assinado cinco dias depois de a Argentina ter pedido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para estender o prazo de vencimento de um empréstimo de US$ 56 bilhões.

A procura por dólares no país disparou na semana passada, após o governo anunciar que não pagará a maior parte da dívida de curto prazo no vencimento e ter adiado uma parcela para daqui a seis meses. A conta ficará para o próximo governo, que, pelas prévias eleitorais de agosto, tem mais chance de ser composto pela chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner, da oposição, o que gera apreensão no mercado. A eleição será em 27 de outubro.

Para tentar segurar a desvalorização do peso, o BC leiloou mais de US$ 387 milhões das reservas internacionais só na última sexta-feira. Caso continue adotando essa estratégia, as reservas do país acabam em menos de dois meses, antes mesmo das eleições presidenciais. A autoridade monetária também proibiu, na sexta-feira, bancos que operam no país de distribuir os lucros sem autorização, o que impede a remessa para as sedes, em outros países.

O BC anunciou que grandes exportadores não poderão receber créditos de mais de US$ 1,5 bilhão. A autoridade monetária vendeu, no total, US$ 1,279 bilhão na última semana, mas nem as movimentações financeiras nem as demais medidas foram suficientes para conter a alta desenfreada do dólar. A moeda americana subiu 14,18 pesos desde a derrota da chapa de Macri nas eleições primárias, em 11 de agosto.

Principais pontos do decreto

» Toda compra de moeda estrangeira e de metais preciosos precisará de autorização do Banco Central argentino até 31 de dezembro

» Transferências ao exterior também ficam sujeitas a aval do BC

» Os valores recebidos com exportação de bens e serviços deverão ser registrados no país e/ou serem negociados no mercado, nas condições estabelecidas pelo BC

» Pessoas físicas e jurídicas terão regras diferenciadas

» Para pessoas físicas, o limite de compra é de US$ 10 mil por mês, o que equivale a 600 mil pesos

» Quem tem poupança em dólares não terá restrições de saque

» O BC pode criar regras para evitar práticas especulativas usando títulos públicos