Valor econômico, v.20, n.4961, 17/03/2020. Brasil, p. A2

 

Decreto de calamidade pública é alternativa para não cumprir meta

Ribamar Oliveira 

17/03/2020

 

 

Com o objetivo de combater os efeitos da crise provocada pelo avanço do coronavírus no país, o governo federal analisa a possibilidade de acionar o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que permite não cumprir a meta fiscal em caso de calamidade pública. Para executar o plano, o Executivo terá que solicitar ao Congresso Nacional o reconhecimento da situação de calamidade pública.

No entanto, segundo o Valor apurou, a equipe econômica prefere mudar a meta fiscal de 2020, aumentando o déficit primário, que atualmente é de R$ 124 bilhões. Com essa alternativa, restringiria o não cumprimento da meta a este ano, sinalizando apenas "uma piora fiscal temporária". "Conversa e chama todo mundo para mesa e deixa as coisas de forma clara. Se explicado e bem comunicado, todo mundo vai compreender. O mercado vai entender e o Congresso vai apoiar", disse uma fonte credenciada da área econômica.

A ideia que está prevalecendo é anunciar um contingenciamento das dotações orçamentárias no dia 22 de março, quando for divulgado o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao primeiro bimestre deste ano, e, uma ou duas semanas depois, aprovar a mudança da meta fiscal. Com a aprovação da mudança, o presidente Jair Bolsonaro assinaria um decreto descontingenciando as dotações orçamentárias.

Qualquer que seja a opção, afirmaram fontes, o governo vai reforçar o seu compromisso com o teto de gastos, garantindo que a mudança da meta fiscal não permitirá aumento de despesas obrigatórias permanentes. Haverá elevação apenas de gastos para o combate à epidemia do coronavírus, principalmente na área da saúde, para o atendimento da população. "Qualquer piora na meta fiscal tem que ficar restrita a este ano. Muda a meta e deixa explícita a piora este ano e aumenta o compromisso com teto dos gastos", sintetizou outra fonte.

A mudança na meta fiscal será necessária porque, com a acentuada desaceleração da economia em decorrência do agravamento da crise do coronavírus, as receitas da União e dos demais entes da federação deverão cair fortemente. O Orçamento foi elaborado com a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,3% e ninguém mais acredita que isso seja possível. Alguns economistas não descartam a possibilidade de recessão neste ano.

A receita a ser obtida com os royalties do petróleo foi estimada com uma cotação internacional de US$ 58,9 o barril do produto, em média, e, ontem, a cotação estava abaixo de US$ 30. Está prevista também no Orçamento uma arrecadação de R$ 16 bilhões com a privatização da Eletrobras, proposta que ainda não foi aprovada pelo Congresso. Além disso, o governo está adotando uma série de medidas para socorrer as empresas, que reduzirão a receita do Tesouro nos próximos meses.

Fontes ouvidas pelo Valor disseram ainda que a mudança na meta fiscal poderá ser introduzida no PLN 2/2020, recentemente encaminhado pelo governo ao Congresso, suprimindo a obrigatoriedade de meta de resultado para todo o setor público e para os Estados e municípios. O adendo poderia ser, segundo as fontes, por meio de uma mensagem modificativa.

"Toda a dificuldade para mudar a meta estará, na avaliação do governo, na possibilidade de senadores e deputados continuarem a se reunir na Câmara e no Senado para votar as propostas. A disseminação do vírus impede a normalidade dos trabalhos nos plenários das duas casas. Por isso, a discussão atual no Congresso é viabilizar a votação remota dos parlamentares, o que é proibido pela legislação atual."

O artigo 65 da LRF permite que Estados e municípios também decretem situação de calamidade pública, desde que reconhecida pelas respectivas Assembleias Legislativas. Neste caso, os entes da federação não precisarão cumprir as metas fiscais nem cumprir os prazos estipulados pela LRF para voltar aos limites das despesas com pessoal e para se enquadrar nos limites de endividamento.