Valor econômico, v.20, n.4985, 20/04/2020. Política, p. A7

 

Governadores e ministros do STF reagem a manifestações apoiadas por Bolsonaro

Andrea Jubé

Fabio Murakawa

20/04/2020

 

 

Causou repúdio entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores, parlamentares e ex-presidentes da República a participação do presidente Jair Bolsonaro ontem em ato de ataques ao Congresso Nacional e a favor da intervenção militar. No Dia do Exército, apoiadores do presidente se aglomeraram no Quartel-General (QG) - sem máscaras e expostos ao coronavírus - para gritar palavras de ordem contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pela edição de um novo AI-5.

Em um discurso inflamado, Bolsonaro avisou que não tem mais espaço para diálogo. “Não queremos negociar nada, queremos é ação pelo Brasil", afirmou, do alto de uma viatura da Polícia Militar. Tossindo muito, com a voz falhando em alguns momentos, o presidente chamou o povo para a briga ao seu lado. "Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder, lutem com o seu presidente".

Sem citar governadores ou prefeitos, que têm mantido o comércio fechado como política para conter a expansão do coronavírus, ele afirmou que fará o que for necessário "para que possamos manter a nossa democracia e garantir o que há de mais sagrado, que é a nossa liberdade".

Ainda em claro recado aos gestores estaduais e municipais, Bolsonaro declarou que "todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”. Ao fim, ele bradou, ecoando a fala da campanha: "chega de velha política".

O ministro do STF e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, disse que é “assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia”, e que defender a Constituição e a democracia é seu papel e seu dever. O ministro do STF Gilmar Mendes cobrou responsabilidade política e união. “Invocar o AI-5 e a volta da Ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e a ordem democrática”. O ministro Marco Aurélio Mello disse ao Valor que "não há espaço para retrocesso". "Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior", alertou. Já o presidente do Supremo, Dias Toffoli, silenciou.

Alvo dos ataques, Rodrigo Maia reagiu no início da noite. Na rede social, sem citar Bolsonaro, lamentou que enquanto o mundo está unido contra o coronavírus, no Brasil também é preciso lutar contra o “vírus do autoritarismo”. Reforçou: “em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição”.

Governadores de 20 Estados assinaram carta pública de apoio a Maia e também ao Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que não comentou a manifestação presidencial, afirmando que a saúde e a vida dos brasileiros devem estar acima de “interesses políticos”. Alegam que o inimigo comum é o coronavírus e fazem aceno de diálogo ao Executivo ao afirmar que não há “conflitos inconciliáveis” entre a proteção da população e da economia. Os governadores ainda aguardam socorro maior da União aos cofres estaduais.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lamentou a adesão de Bolsonaro a manifestações antidemocráticas. “É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia”. Numa fala mais dura, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva observou que a mesma Constituição que permite a eleição democrática de um presidente, tem “mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população”.

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), oferecerá representação contra Bolsonaro por crime de responsabilidade (expor a população a risco de doença contagiosa) à Procuradoria-Geral da República (PGR).

O líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE), afirmou que o ato de ontem não pode ser esquecido, mas a prioridade agora é conter o vírus: “Mas é motivo para impeachment? Com certeza, no futuro, será avaliado, mas o Brasil precisa concentrar seus esforços no enfrentamento dessa pandemia”.

Apesar das críticas ao establishment, Bolsonaro passou os últimos dias reunido em seu gabinete com a "velha política". Recebeu lideranças do PP, PL e Republicanos - partidos que ele e seus aliados associam ao Centrão -, com quem abriu negociações para ampliar o espaço deles no governo.

Fontes palacianas minimizaram o comparecimento de Bolsonaro a uma manifestação pró-AI-5. Para auxiliares do presidente, o discurso de ontem foi um “exercício de retórica” para manter a sua base eleitoral aquecida. A avaliação é de que quando Bolsonaro adotou um tom moderado, continuou sofrendo críticas da imprensa, e simultaneamente, perdeu apoio da ala ideológica. (Colaboraram Luisa Martins, Raphael Di Cunto, Mariana Ribeiro e Natália Portinari, de O Globo)

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Ousadia bolsonarista supera a de João Goulart 

Maria Cristina Fenandes 

20/04/2020

 

 

"Ele rompeu uma barreira que ninguém, até aqui, havia desrespeitado, o de fazer da área militar um palanque político. Quem chegou mais perto disso foi João Goulart, no comício de 13 de março na Central do Brasil, que fica ao lado do antigo comando do Exército no Rio. Agora quem quiser vai poder montar palanque ali? Ele quebrou uma vidraça. Foi ultrapassado um limite muito sério".

Foi assim que um general da reserva reagiu ao discurso do presidente Jair Bolsonaro na tarde de ontem quando se dirigiu a manifestantes que pediam por intervenção militar em frente ao quartel general do Exército, em Brasília. O incômodo se deu menos pelo conteúdo do discurso em que o presidente atacou a "velha política" e a "patifaria", disse que não havia mais espaço para negociação e exortou os manifestantes a uma "ação pelo Brasil" e mais pelo simbolismo da data (dia do Exército) e do local da manifestação.

Oficialmente, o Exército limitou-se a informar que a segurança das instalações estava preservada e que nada poderia ser feito para além de seus muros. Até o fim do dia, porém, se discutia de que maneira o comandante Edson Pujol, poderia sinalizar sua preocupação em relação ao palanque do QG.

A Ordem do Dia já havia sido despachada na véspera. Nela, Pujol informou que um efetivo de 25 mil militares havia sido colocado à disposição do combate à covid-19. Além do apoio ao governo estadual, a nota mencionou também os governos estaduais e municipais com quem Bolsonaro tem se confrontado diariamente. Não foi suficiente para dissuadi-lo, como também não tem sido convincente a ideia da tutela militar.

A provocação do presidente aconteceu dois dias depois da revogação de três portarias do Exército que determinam maior controle sobre importação, rastreamento e identificação de armas de fogo. O decreto tanto facilita o uso policial de cartuchos apreendidos do crime para dificultar a origem de "balas perdidas", quanto a atuação de milícias armadas.

Os atos de insubordinação no prontuário do capitão Bolsonaro sugerem brechas a um ato de provocação para levar as Forças Armadas a reagir em defesa da lei e da ordem. Mas a chance de que o Exército responda a uma provocação do gênero, ainda que sob o apelo do comandante-em-chefe é, dizem os militares, nula.