Correio braziliense, n. 20792 , 26/04/2020. Economia, p.9

 

Os riscos da dicotomia de opiniões do governo

Rosana Hessel

26/04/2020

 

 

CONJUNTURA » Discursos conflitantes de autoridades contra a China podem complicar planos de retomada da economia e gerar novos embates com equipe econômica

A dicotomia do discurso do governo é considerada um dos problemas não apenas no enfrentamento da pandemia de Covid-19 sobre a adoção de medidas de distanciamento social como também sobre a retomada da economia no período pós-crise. O aumento das tensões internas com a renúncia do ministro da Justiça, Sergio Moro, gera mais dúvidas se esse processo poderá ser bem-sucedido, especialmente, na divisão sobre a estratégia de abertura ou de fechamento do mercado brasileiro que podem ser uma nova trincheira de conflitos para o ministro da Economia, Paulo Guedes.

O ministro e sua equipe seguem a cartilha do liberalismo econômico, com abertura do mercado, aumento da concorrência para que os mais eficientes sobrevivam, sem protecionismo do Estado. Já os considerados olavistas e que estão mais próximos do presidente Jair Bolsonaro vão na contramão desse discurso, que é defendido por um grupo pequeno nos Estados Unidos que ganhou espaço com a eleição de Donald Trump. Antes, eles não tinham espaço entre os republicanos, tradicionalmente liberais e a favor do livre comércio. Logo, essa será outra pedra no sapato do chefe da equipe econômica, além do Pró-Brasil, plano lançado pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, que defende uma saída com aumento de gastos do governo, em uma linha mais desenvolvimentista, totalmente contrária à cartilha da equipe econômica.

O plano de retomada pós-pandemia da Casa Civil vai ser o centro de embates de Guedes e sua equipe e os ministros, auxiliares e filhos do presidente Jair Bolsonaro que repetem o discurso de Trump contra a China e defendem políticas nacionalistas. Resta saber quem vencerá esse cabo de guerra, uma vez que, depois de Moro, Guedes pode ser o próximo ministro a ser defenestrado pelo governo que está mergulhando de cabeça num abismo de polêmicas.

Na avaliação dos analistas ouvidos pelo Correio, o governo precisa de um plano muito bem elaborado para a retomada, evitando políticas protecionistas com subsídios para setores que não sejam competitivos, apenas para tentar tirar os chineses da jogada. Eles alertam que o discurso nacionalista contra a China pode ser muito prejudicial ao Brasil, que não tem o mesmo perfil econômico dos EUA. “Resta saber qual dos dois discursos vai prevalecer, porque se for o nacionalista e o desenvolvimentista, não fará sentido a continuidade de o ministro Paulo Guedes na equipe. O embate vai ser duro”, comenta um técnico do governo.

Retrocesso

Cristina Helena Pinto de Mello, economista e pró-reitora nacional da pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), reconhece que esse discurso contraditório no governo, que não é recente, é preocupante e um fator de risco para a retomada da economia, “porque o país pode entrar em um novo processo de retrocesso com ideias conflitantes”.

O Brasil é muito mais dependente da China e, portanto, quanto menos ela crescer, menos o Brasil crescerá, reforça  Wagner Parente, especialista em comércio internacional e CEO da BMJ Consultores.  “Se a economia chinesa não cresce, a demanda por commodities brasileiras, que representam mais da metade das exportações nacionais, será menor daqui para frente. Além disso, a indústria daqui importa muitos insumos chineses e, se não houver demanda interna, dificilmente haverá investimento para expandir o parque industrial”, afirma. No primeiro trimestre do ano, a China encolheu 6,8%.  As novas estimativas da Capital Economics apontam para queda de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) chinês, algo que pode ser um desastre para a economia brasileira.

De acordo com Parente, Guedes precisará se posicionar a favor da China, como faz a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que vive apagando os incêndios de declarações contra os chineses de integrantes do governo, e virou novo alvo dos olavistas. “Medidas protecionistas e favoráveis a um processo de reindustrialização com atuação muito pesada da União não possuem espaço nas contas públicas”, destaca.

Um dos críticos aos subsídios para empresas que não são competitivas, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, lembra que, em tempos de vacas gordas, o empresariado brasileiro e o mercado financeiro não repartem os lucros e defende a livre regulação do mercado. Mas, quando há uma crise, são os primeiros a pedirem socorro do governo ou dividirem o prejuízo com o consumidor. “Aqui não há visão de longo prazo e, nas crises, todo mundo quer socializar o prejuízo sem fazer uma poupança para tempos de crise, como faz a China”, compara.

Frase

“Se a economia chinesa não cresce, a demanda por commodities brasileiras, que representam mais da metade das exportações nacionais, será menor daqui para frente”

Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Embrar alega rescisão indevida

26/04/2020

 

 

Após a Boeing ter anunciado,  ontem, o cancelamento do acordo comercial com Embraer,  a fabricante de aviões brasileira informou que a companhia norte-americana “rescindiu indevidamente o Acordo Global da Operação (MTA, na sigla em inglês)” e “fabricou falsas alegações como pretexto para tentar evitar seus compromissos de fechar a transação”.

O acordo para a joint venture,  firmado no fim de 2017, previa o pagamento à Embraer o preço de compra de U$ 4,2 bilhões, referentes a 80% da unidade de aviação comercial da companhia sediada em São José dos Campos (SP). “A empresa acredita que a Boeing adotou um padrão sistemático de atraso e violações repetidas ao MTA, devido à falta de vontade em concluir a transação”, informou a Embraer em um comunicado à imprensa.

A Embraer disse que acredita estar “em total conformidade com suas obrigações previstas no MTA e que cumpriu todas as condições necessárias previstas até 24 de abril de 2020” e destacou na nota que “buscará todas as medidas cabíveis contra a Boeing pelos danos sofridos como resultado do cancelamento indevido e da violação do MTA”.

O fim das negociações entre Boeing e Embraer vem no pior momento para a empresa brasileira, que enfrenta um cenário de demanda fraca pela sua nova família de aviões, o E2, e ainda terá de encarar a crise causada pela pandemia da Covid-19, que afundou o setor aéreo. A empresa brasileira acaba de investir US$ 1,75 bilhão para desenvolver três novos modelos do E2.

Fontes do mercado dizem que a brasileira precisará de um socorro do governo (seguindo o exemplo da Boeing, que pediu ajuda de Washington) ou terá de buscar um outro acordo de venda. A maior oportunidade seria com a China, que quer crescer na aviação com a estatal China Commercial Aircraft (Comac). Em vídeo enviado ontem a funcionários, porém, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, disse que a empresa tem liquidez “suficiente e acesso a fontes de financiamento para alavancar seus negócios”.

A joint venture na aviação comercial com a Boeing, na qual a brasileira teria 20%, era praticamente uma aposta de sobrevivência da Embraer depois que o consórcio europeu Airbus comprou o programa dos jatos C-Series da canadense Bombardier. O C-Series era uma família de aviões que competia diretamente com a Embraer. Com a rescisão do contrato com a Boeing, a Embraer, agora, brigará sozinha contra gigantes.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Tensão no Mercosul

26/04/2020

 

 

O Mercosul anunciou que o governo da Argentina decidiu se retirar das negociações comerciais em curso e futuras do bloco por conta da crise envolvendo a pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus. O Paraguai, que exerce a presidência pro tempore do bloco, fez o anúncio em nome do grupo na noite de sexta-feira, pontuando que o bloco vai estudar “medidas jurídicas, institucionais e operacionais”.

“O anúncio foi feito pela delegação argentina durante a reunião dos coordenadores do Grupo Mercado Comum, feita em videoconferência”, informou o comunicado do Mercosul, ressaltando que os argentinos só continuarão participando das reuniões dos acordos de livre-comércio com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês). “A República Argentina informou que tomou esta decisão para priorizar suas políticas econômicas internas, agravadas com a pandemia do novo coronavírus, e que isso não será obstáculo para os outros países do bloco continuarem as negociações.”

“A presidência pro tempore do Paraguai e os outros Estados-membros do Mercosul vão avaliar medidas jurídicas, institucionais e operacionais adequadas em razão da decisão soberana da República Argentina de forma que isso não afete o processo de construção comunitária do Mercosul e suas negociações comerciais em curso”, completou a nota.