Correio braziliense, n. 20799 , 03/05/2020. Política, p.2

 

Um presidente nos braços do Centrão

Luiz Calcagno

Jorge Vasconcellos

03/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Aproximação de Bolsonaro com partidos fisiológicos, refúgio de condenados pela Justiça - como Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto -, obedece à estratégia de sobreviver a um processo de impeachment. Negociação envolve cargos e um orçamento bilionário

A reaproximação de Jair Bolsonaro com os integrantes do Centrão, bloco parlamentar que ele integrou ao longo dos 27 anos como deputado federal, diz muito sobre a situação do presidente da República. Minado pelas crises que ele próprio criou, vendo os pedidos de impeachment se multiplicarem no Congresso, o chefe do governo acabou obrigado a buscar uma base parlamentar para chamar de sua, pressionado por uma crise sanitária mundial que provocará um número imprevisível de mortes e arrasará a economia.

Cada vez mais isolado, Bolsonaro está disposto a entregar aos novos aliados o controle de um orçamento de bilhões de reais, com a oferta de cargos em importantes órgãos públicos. O futuro, porém, parece obscuro, pois os movimentos indicam que o presidente sairá ainda mais desgastado da pandemia. O casamento com os antigos colegas deve ser tórrido, mas curto. As negociações do Planalto com o Centrão envolvem o PP, o PL, o Republicanos, o PRB, o PSD e o PTB. Os cerca de 200 votos do bloco parlamentar estão bem acima dos 172 necessários para evitar a abertura de um processo de impedimento do chefe do Executivo.

O preço do Centrão é traduzido em números por um levantamento da ONG Contas Abertas. A pesquisa indica, por exemplo, que a cereja do bolo que celebrará a relação será o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), ligado ao Ministério da Infraestrutura, que tem, disponível para investimentos em 2020, um montante de R$ 6,9 bilhões. O glacê é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do MEC, que terá, para investimentos, R$ 1,8 bilhão. As demais camadas são a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), com R$ 831,4 milhões, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com R$ 727 milhões, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), com capacidade de investimentos de R$ 265 milhões.

Vem, por último, o Banco do Nordeste, com total líquido das fontes em 2019 de R$ 36.211.039.007. Somados os valores dos órgãos e o da instituição bancária, a soma total é de R$ 10.611.342.802.

Fundador e secretário geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco alerta para o risco do aumento do populismo político por conta das negociações. “Os parlamentares que indicam afiliados para essas instituições têm em mente, além dos cargos, o gasto público com finalidade eleitoreira. Todos esses órgãos tem como característica uma quantidade de investimentos inclusive em obras, que colaboram para valorizar esses candidatos em época de eleições”, alerta.

É impossível não relacionar o toma lá dá cá com a situação de fragilidade política que Bolsonaro criou para si. “Com o presidente fragilizado e com um mau relacionamento com outros poderes, a possibilidade do impeachment existe e é concreta. A solução que ele encontrou foi a aproximação com o Centrão, que ele sempre negou que faria. O que prevalece, a partir daí, é o interesse político dos indicados, e não o interesse público. Normalmente, é isso o que acontece, e é lamentável”, comenta Gil Castello Branco. “O que nós precisamos são de obras públicas que atendam ao interesse da sociedade. Mas, as indicações virão de pessoas condenadas por corrupção, ou investigados. Roberto Jefferson cumpriu pena; (o senador) Ciro Nogueira é investigado”, critica.

A reportagem procurou o senador, que não quis falar sobre o acordo com Bolsonaro, e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, que não atendeu às ligações. Já o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), afirmou que não cabe ao partido avaliar a forma como Bolsonaro busca construir uma base de apoio no Congresso. O deputado também frisou que o DEM manterá a autonomia e a independência na relação com o Executivo.

“Continuaremos a trabalhar com nossas convicções, com autonomia e independência na defesa de uma agenda econômica e de outras pautas importantes para a recuperação do país, principalmente em razão da crise do novo coronavírus. Ao mesmo tempo, nosso partido não adotará uma postura de revanchismo em relação ao governo, mesmo com alguns episódios recentes, como a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM)”, diz o líder partidário.

Relação “tórrida”

Para o analista político Melillo Dinis, a relação entre Bolsonaro e o Centrão terminará com uma traição, e o presidente da República sabe disso. Não seria uma questão de “se”, mas, sim, de “quando”. “Historicamente, o acordo com o Centrão é um duplo. De um lado, muita promessa, do outro, muita traição. É como aquele romance tórrido de livro, que você inicia e sabe que foi feito para durar pouco. O Centrão não é bancada, é condomínio, e de interesses. Mas acima de todos, o interesse da sobrevivência política, seja com o poder, seja com o dinheiro. É o tipo da relação que você entra porque está enfraquecido. E o Centrão adora os chefes da República enfraquecidos. Foi assim com Dilma, Temer e Collor”, avalia.

Melillo afirma que a traição partirá, justamente, dos parlamentares. “E Bolsonaro sabe disso, pois foi do Centrão por muito tempo. Era do mesmo partido do Roberto Jefferson. A história política brasileira é cheia de provas dessa traição. Especialmente quando os presidentes estão enfraquecidos na governabilidade”, ressalta.

Ricardo Caichiolo, cientista político e coordenador da Pós-Graduação do Ibmec Brasília, concorda com essa perspectiva. “A partir do momento em que o presidente Jair Bolsonaro se vê diante da possibilidade real de abertura de um processo de impeachment, ele escancaradamente entrelaça os braços com os representantes da velha política. Parte para o tradicional toma lá dá cá com o Centrão e abre a mala com ofertas para o comando de autarquias, empresas públicas e demais órgãos governamentais. Sepulta definitivamente seu discurso inverossímil contrário ao fisiologismo. Nada mais velho na política do que o presidente”, resume.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Movimento provoca recuo de Maia

03/05/2020

 

 

A oferta de cargos aos partidos do Centrão pelo presidente Jair Bolsonaro surtiu efeito no Congresso. O sinal mais visível é a mudança de postura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos alvos da estratégia do Planalto. O deputado, até poucos dias um crítico ferrenho da atuação do governo frente à crise do novo coronavírus, passou a medir as palavras e a evitar confrontos, ante o risco de ser isolado por um bloco parlamentar com cerca de 200 votos na Câmara.

No meio político, o recuo do deputado é visto como uma tentativa de se livrar da imagem de principal desafeto de Bolsonaro no Congresso. Seria, primeiro, uma forma de não desagradar o Centrão, que passou a nutrir uma simpatia pelo presidente da República ante a possibilidade de ocupar postos importantes na administração federal. Além disso, Maia também precisa demonstrar isenção frente aos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro que repousam na Câmara à espera de seu posicionamento.

A mudança de postura de Maia ficou bem clara na quarta-feira, em meio às repercussões do “E daí?”, comentário de Bolsonaro para o aumento exponencial de mortes por Covid-19 no país. Em coletiva de imprensa, o deputado frustrou os que esperavam dele uma crítica contundente à declaração do presidente da República. Além de afirmar que foi uma “frase mal colocada”, o parlamentar duvidou que Bolsonaro estivesse tratando as mortes como algo irrelevante. Na ocasião, disse que a prioridade do país é o combate ao novo coronavírus.

Para o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), o momento exige que o presidente da Câmara atue como um magistrado.  “O presidente Rodrigo Maia tem adotado uma postura de equilíbrio, de prudência e serenidade.  O país já enfrenta uma grave crise sanitária. Se alimentarmos mais uma crise política aí o cenário será de uma tempestade perfeita", observa Efraim Filho.

Na avaliação de Renato Ribeiro de Almeida, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP , Maia tem tido a preocupação de poupar o país de um longo e desgastante processo de impeachment enquanto o desafio do novo coronavírus não for vencido. “Rodrigo Maia, na condição de presidente da Câmara dos Deputados e como o único árbitro para dar início a um eventual processo de impeachment, está sendo prudente em tempos de pandemia. Penso que ele não irá mudar a forma de atuação a menos que o apoio do presidente diminua para níveis dramáticos e não conte mais com o apoio mínimo para barrar um processo de impeachment. Diante da certeza da aprovação de eventual impeachment, Rodrigo Maia adotaria posições mais incisivas. Do contrário, não agravará ainda mais a polarização e crise política”, conclui o docente.