Título: Laboratórios eleitorais
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2013, Política, p. 2

Empossados ontem em cidades estranguladas por dívidas e com crônicos problemas de saneamento e infraestrutura, os novos prefeitos, especialmente os que administrarão as capitais, serão responsáveis por provar a capacidade de gestão dos partidos a que são filiados. Principais oponentes na disputa presidencial de 2014, petistas e tucanos tentam obter êxito em São Paulo e nas duas principais capitais da região norte, Belém e Manaus. O PSB assu­miu duas das três maiores cidades do Nordeste, Fortaleza e Recife, o DEM tenta ressurgir em Salvador, o PDT terá dobradinha na região Sul—Curitiba e Porto Alegre — e o PMDB comandará o Rio de Janeiro durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

A principal vidraça será São Paulo, que voltará a ser administrada pelo PT após oito anos. O ex-ministro da Educação Fernando Haddad, que traz no currículo o sucesso do ProUni e os sucessivos fracassos na realização do Enem, assume uma cidade com uma dívida de R$ 58 bilhões, licitações para merenda e unifor­mes escolares pendentes e pro­blemas quase insolúveis de mobilidade urbana.

A eleição de Haddad, contudo, é vista como um trunfo para terminar com a hegemonia do PSDB no estado e na capital — embora o prefeito que deixou o cargo ontem seja Gilberto Kassab, que negocia um ministério para o PSD. Por isso, a margem de er­ro tende a ser zero. "Depois de todo o esforço para vitória, incluindo da presidente Dilma e do ex-presidente Lula, se o go-

verno de Haddad for um fiasco, vão jogar tudo na conta do PT", declarou o diretor de documentação do Departamento Inter- sindical de Assessoria Parla­mentar (DIAP), Antonio Augusto Queiroz.

Haddad usará a prefeitura paulistana como um laborató­rio para implementação das po­líticas petistas no plano federal. Para tanto, importou oito técnicos que trabalhavam na Esplanada e espalhou-os em postos-chave na administração municipal. Em seu discurso de posse, o petista colocou como uma de suas prioridades a extinção da pobreza extrema na cidade, pro­grama semelhante ao conduzi­do pelo Ministério do Desen­volvimento Social. "Não é pos­sível conviver mais tempo com tantas desigualdades, tanto des­caso, tantas mazelas. Crianças brincando em esgoto a céu aberto, crianças sem vagas na escola", citou ele.

Ajuda

Para Queiroz, os prefeitos eleitos por partidos de oposição po­derão se aproveitar do empenho do Palácio do Planalto para aju­dar Haddad em sua administra­ção. "Cientes de que Dilma vai empenhar todas as forças em fa­zer de São Paulo uma prefeitura modelo, eles poderão cobrar um tratamento equânime da União na resolução de seus problemas", disse o diretor do DIAP

Pelo menos dois dos prefeitos oposicionistas empossados ontem—ACM Neto (DEM) em Salvador eArthur Virgílio (PSDB) em Manaus — tiveram embates du­ros com candidatos apoiados pe­lo PT e pelo Planalto. Nas duas capitais, tanto Dilma quanto Lula fizeram questão de subir pes­soalmente nos palanques de Nel- sonPelegrino (PT) eVanessaGra- ziottin (PCdoB). "Foram vitórias importantes, que poderão abrir portas para nós", afirmou o deputado Walter Feldmann (PSDB-SP), um dos coordenadores da candi­datura derrotada de José Serra em São Paulo.

Feldmann destaca, sobretudo, as vitórias do PSDB em Ma­naus e Belém—esta última com Zenaldo Coutinho, consolidan­do a hegemonia tucana no Pará, governado por Simão Jatene. "É bom para tirar o estigma de sermos um partido muito forte ape­nas nas regiões Sul e Sudeste", completou. "Tanto Zenaldo quanto Arthur são parlamentares federais experientes e pode­rão honrar as bandeiras e projetos do PSDB na região norte", aposta Feldmann.

Mas o caminho não é tão sim­ples como parece. Embora a possibilidade de reforçar a capacidade de gestão das legendas de oposição, a chegada ao poder municipal impõe algumas amar­ras a demistas e tucanos. Princi­palmente em virtude da depen­dência que as cidades brasileiras têm em relação ao poder central, esses prefeitos não poderão mer­gulhar em uma oposição ensan- decida a presidente Dilma. "Se quiserem ter um mínimo de êxito em sua gestão, os prefeitos do PS­DB e do DEM não poderão adotar uma postura de enfrentamen- to irrestrito", disse Queiroz.

Esse recado já havia sido da­do em 2006, quando o candidato do PSDB a presidente derrotado em2002, José Serra, avisou aos seus correligionários que não poderia contrapor-se frontal- mente ao presidente Lula por­que, se isso ocorresse, quem sai­ria prejudicado seria o povo de São Paulo — na época ele era go­vernador do estado. "Quem deve fazer oposição ao presidente são nossos representantes no Con­gresso Nacional", declarou Serra, naquele momento.

Contraponto

Existem, contudo, dúvidas se os êxitos administrativos dos novos prefeitos poderão, de fa­to, ser debitados na contas dos partidos ou dos respectivos administradores municipais. A gestão vitoriosa de Eduardo Paes no Rio, que o levou a uma reeleição folgada em outubro do ano passado, não é enxergada como um laboratório para o modo peemedebista de governar. "O Paes implantou uma maneira própria de governar que não tem nada a ver com o PMDB. Aliás, do ponto de vista de gestão, o PMDB não tem nada a apresentar ao país", provo­cou Walter Feldmann.

Mas existe uma expectativa positiva sobre essa geração em­possada ontem, que traz nomes novos do ponto de vista cronoló­gico e muitos deles debutantes na administração executiva, como Haddad, ACM Neto e Gusta­vo Fruet (PDT-PR). "Como eles terão uma longa carreira política pela frente, a tendência é que eles se empenhem na implementa­ção de novas políticas públicas", acredita Queiroz.

Para Feldmann, as cidades ainda podem ser um espaço para aplicar novos métodos de governo. "Isso já acontece no campo da sustentabilidade, por exemplo. A política federal está muito asfixiada por conchavos políticos. Os municípios po­dem ser uma válvula para isso", torce o tucano.

Empenho descarado

Os entendidos em políticos es­forçam-se em afirmar que as elei­ções municipais não influenciam diretamente na disputa presidencial que ocorrerá dois anos depois. Para esses experts, mesmo no caso de São Paulo essa regra não vale. Em 2000, Marta Suplicyfoi eleita prefeita mesmo com Fernando Henrique Presidente. Lula foi eleito presidente dois anos depois, é ver­dade. Mas, em 2004, Marta foi der­rotada por José Serra e nem por is­so Lula perdeu a reeleição em 2006.

Mas não há como esconder o empenho dos principais postulan­tes ao Palácio do Planalto em 2014 e seus respectivos partidos na dis­puta municipal do ano passado. O PT, a presidente Dilma Rousseffe o ex-presidente Lula empenharam a alma na vitória de Haddad. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) voou o Brasil todo para ajudar nas candidaturas tucanas. O governa­dor de Pernambuco, Eduardo Campos, comemorou cada voto depositado pelos eleitores nos candidatos do PSB a prefeito.

As estratégias de guerra e as ma­neiras de impor as verdades e ex­periências de cada legenda começam a ser mostradas a partir de hoje, 2 de janeiro — ontem foram as posses. Como reza o ditado elei­toral: a lua de mel com o eleitora­do termina no dia em que o governante senta na cadeira para a qual foi eleito. (PTL)

Pressão e dívida

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, empossado ontem em uma cerimônia concorrida, prometeu abrir diálogo com o governo federal para a renegociação da dívida do município. Pressionado por uma cifra que beira os R$ 60 bilhões, o petista quer aproveitar a proximidade com o governo federal e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para estabelecer novos parâmetros de pagamento desse montante.

"Não há a menor capacidade de levar à frente esse grande empreendimento que é a nossa cidade sem repactuarmos o contrato da dívida com o governo federal. Ele (o contrato) não se sustenta", afirmou, lembrando que a dívida equivale a quase 200% da receita do município. Eleito com uma base de apoio majoritária na Câmara Municipal — 40 dos 55 vereadores são alinhados ao novo prefeito—Haddad prometeu uma gestão plural e democrática na relação com os vereadores. Tentou, com isso, afastar notícias veiculadas ontem de que só negociaria no atacado, tratando das questões de governo apenas com as lideranças partidárias. O prefeito petista também quer afastar a imagem de egoísmo que São Paulo passa para as demais unidades da Federação. "Existe amor em São Paulo."