Valor econômico, v.21, n.5006, 22/05/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro e governadores fazem acordo e veto a aumento será mantido

Matheus Schuch

Marcelo Ribeiro 

Mariana Ribeiro

Fernando Exman

Andrea Jubé

Alessandra Saraiva

22/05/2020

 

 

Em um inesperado clima de conciliação, o presidente Jair Bolsonaro comprometeu-se ontem com os governadores a sancionar "o mais rápido possível" o projeto de socorro aos Estados e municípios, que prevê R$ 60 bilhões para compensar as perdas de receita do ICMS e ISS e os efeitos da pandemia. Em contrapartida, o presidente dividiu com os governadores o ônus de vetar o reajuste aos servidores públicos e congelar os salários em pleno ano eleitoral.

"A cota de sacrifício dos servidores [na pandemia] é não receber reajuste até dezembro de 2021", disse Bolsonaro. Na videoconferência, tendo ao seu lado os presidentes do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com o respaldo dos governadores, Bolsonaro ainda obteve o compromisso de manutenção do veto.

Houve movimentos de ambos os lados para evitar ruídos e viabilizar um clima de entendimento na reunião, num momento de avanço da pandemia e aperto dos cofres estaduais. A reunião anterior havia sido marcada pelo confronto entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Alcolumbre foi escalado pelos governadores para conversar o chefe do Poder Executivo, com quem mantém boa relação. Em outra frente, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), propôs uma reunião prévia dos governadores na véspera para afinarem o discurso e definirem as prioridades para o encontro com o presidente.

A missão de Alcolumbre foi expor a Bolsonaro a situação financeira dos Estados e prefeituras, mas também abordar a gravidade da situação em relação à pandemia. O Brasil já ultrapassou a faixa dos 20 mil mortos.

Ontem de manhã, antes da reunião virtual com os governadores, Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegaram mais cedo ao Planalto para se encontrar com Bolsonaro e arrematar a articulação.

Um dos resultados práticos dos esforços de articulação, segundo interlocutores, foi a brevidade da reunião, que não passou de uma hora, para que se reduzisse a margem de novos atritos entre o presidente e alguns dos governadores.

Outros fatores contribuíram para a mudança de tom do presidente na reunião, que adotou uma postura moderada. Um deles é a queda de sua popularidade. Bolsonaro tem focado seu discurso na economia e nas preocupações do setor produtivo, enquanto a população estaria se sentindo em segundo plano e cada vez mais preocupada com o avanço do coronavírus.

Em contrapartida, os governadores não estão sendo afetados por isso e teriam ponderado que não precisam atacar o presidente para se descolar da condução da crise pelo governo federal.

Além disso, acrescentam fontes, Bolsonaro também estaria mais exposto politicamente devido às recentes denúncias de Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e ex-aliado do presidente, e da possibilidade de quebra do sigilo do vídeo da reunião ministerial que culminou na demissão do ex-ministro Sergio Moro.

No papel de conciliador, Alcolumbre pregou a pacificação ao ter a palavra na reunião. "A gente precisa ter responsabilidade, este é um dia histórico, este é o maior programa de apoio do governo federal a Estados e municípios", afirmou. "Que esta fotografia e a sanção deste projeto sirvam para aqueles que insistem em nos dividir", desafiou.

Maia, por sua vez, afirmou que no pós-pandemia teremos "uma nova realidade", de reorganização do Estado, "em outro patamar". "Quem pensava em uma reforma administrativa com relação dívida/PIB de 70%, agora vai ter que pensar em relação de 100%", alertou.

Em outra frente, os governadores se reuniram na quarta-feira para calibrar o discurso e combinar o tom de pacificação. Ao fim da reunião, coube ao governador João Doria telefonar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para adiantar que a predisposição dos governadores era a conciliação.

Um dos três porta-vozes dos governadores escalados para a reunião, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), disse ao Valor que os governadores estão preocupados em distensionar a conjuntura. "Queremos ver se o governo federal entra em outro ambiente para sairmos desse enfrentamento permanente", afirmou. "Fomos bem, o presidente não polemizou, nós não polemizamos", acrescentou, sobre a reunião.

Casagrande disse que haverá um esforço dos governadores em manter o clima de entendimento, e que esperam que Bolsonaro faça o mesmo, porque é necessário "estabilidade para enfrentar a pandemia".

Coube a Doria, com quem Bolsonaro tem antagonizado no plano nacional, hastear a bandeira branca. "Quero exaltar a forma como esta reunião está sendo conduzida, com a união de todos", disse o tucano. "A existência de uma guerra, como já foi dito aqui coloca todos em derrota. Vamos em paz, presidente", exortou.

Em paralelo, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que se tornou um desafeto para Bolsonaro, divulgou uma nota afirmando que os recursos federais destinados ao Estado são insuficientes.

Witzel, que mantém relação de turbulência com Bolsonaro, disse que pediu ao presidente, por chat, durante a videoconferência, uma reunião específica para discutir a situação financeira do Estado.

Ele destacou que o Rio perdeu R$ 1,3 bilhão em receita tributária nos meses de abril e maio (em relação ao mesmo período de 2019). E o governo só deverá receber pouco mais de R$ 550 milhões da União.

"Pedi [a Bolsonaro] reservadamente que o Estado do Rio de Janeiro tenha a possibilidade de demonstrar o quanto estamos sendo prejudicados com a pandemia e os efeitos econômicos gerados por ela", explicou Witzel, na nota oficial.

Ele acrescentou que buscará um acordo com o governo federal "para que o Rio não fique prejudicado". "Só a União tem capacidade para socorrer Estados e municípios, e isso está acontecendo no mundo todo", justificou. "O Estado do Rio ficaria sem dinheiro para pagar servidores e fornecedores e até sem condições de abastecer viaturas da polícia", acrescentou.

Os governadores contavam com a sanção para ontem, mas Alcolumbre ressalvou que havia ajustes técnicos a serem feitos. Um dos ajustes tratava-se de um decreto relacionado à contratação de agentes da Polícia Rodoviária Federal.

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Socorro pode começar neste mês

Matheus Schuch

Fabio Graner 

Mariana Ribeiro

22/05/2020

 

 

A possibilidade de a primeira parcela do socorro financeiro a Estados e municípios ser paga ainda neste mês não está descartada, mas exigirá "um grande esforço" dos envolvidos, afirmou ontem o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. A rápida liberação dos recursos é uma demanda dos governadores, que trouxeram o tema para reunião de ontem com o presidente Jair Bolsonaro.

A efetivação da transferência depende, além da sanção do projeto, de uma série de medidas, inclusive por parte dos Estados. Um dos requisitos, enfatizou Waldery, é que eles abdiquem de ações contra a União associadas à pandemia. "As negociações para essas desistências de ações estão bem encaminhadas", completou.

Além disso, será preciso a publicação de uma medida provisória (MP) de crédito extraordinário para viabilizar a transferência e tratativas com o Banco do Brasil, já em andamento, que ficará responsável pela operacionalização. "É possível garantir mês de maio? Dia 31 de maio? Pode ser, mas condicionado a esses três itens", disse o secretário.

Aprovado pelo Congresso, o projeto tem impacto de R$ 125,8 bilhões. A transferência direta para Estados e municípios será de R$ 60,15 bilhões e está prevista para ser realizada em quatro parcelas. O valor inclui também R$ 35,34 bilhões da suspensão de dívidas com a União, R$ 13,98 bilhões em renegociações com bancos públicos e R$ 10,73 bilhões em renegociações com organismos internacionais. Além disso, há a suspensão do pagamento de dívidas previdenciárias no valor de R$ 5,6 bilhões.

O congelamento de salários de servidores deve gerar economia de R$ 98,9 bilhões a Estados e municípios. Incluindo a União, esse valor sobe para R$ 130 bilhões. O projeto aprovado pelo Congresso flexibiliza a suspensão dos reajustes dos servidores para várias categorias, mas a equipe econômica defende o veto a esse ponto. No texto que saiu do Congresso, a economia estimada era de R$ 42 bilhões.

Waldery disse que a situação causada pela pandemia é "conjuntural" e que é preciso pensar nas contas públicas no pós-covid-19. O secretário esclareceu que o congelamento não impede a concessão de bônus a profissionais ligados ao enfrentamento da pandemia. "Aumentos de gastos relacionados à calamidade pública da covid-19 estão permitidos", disse. O ministério também defende veto a trecho que trata do não pagamento de dívidas com bancos e organismos multilaterais.

Questionado sobre a possível expansão do auxílio emergencial, Waldery sinalizou, assim como já havia feito o ministro da Economia, Paulo Guedes, que o benefício poderá ser estendido, mas com um valor menor. "Chegaremos a uma solução intermediária. Não com o mesmo perfil de hoje. Uma possibilidade referencial é exatamente o valor trazido pelo Bolsa Família", afirmou, sem dar mais detalhes.

Segundo ele, o impacto fiscal do programa em três meses está estimado hoje em R$ 151,5 bilhões. Inicialmente, a projeção era de R$ 98,2 bilhões.

Com a aprovação da ajuda a Estados e municípios, o impacto das medidas de combate aos efeitos econômicos da pandemia sobe para R$ 344,63 bilhões (ou 4,74% do PIB). Há uma economia com despesas de pessoal da União de R$ 10,52 bilhões em 2020. Os números serão atualizados hoje, quando o governo fará uma reestimativa de despesas e receitas.