Título: Ilhas da discórdia
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 04/01/2013, Mundo, p. 14

Em carta ao premiê do Reino Unido, presidente argentina denuncia colonialismo e pede devolução do arquipélago

No aniversário de 180 anos da ocupação das ilhas Malvinas pela Inglaterra, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, voltou a questionar a presença inglesa no território em uma carta aberta ao primeiro-ministro David Cameron. Kirchner classificou a manutenção do governo inglês no arquipélago como “um evidente exercício de colonialismo do século 19” e pediu que a coroa britânica devolva as ilhas ao Estado argentino. A resposta inglesa foi imediata, um porta-voz do ministério das Relações Exteriores negou qualquer intenção de dialogar sobre a soberania das ilhas, chamada pelos ingleses de Falkland, e afirmou que os moradores do local “são britânicos por escolha” e terão seus interesses preservados.

“Em nome do povo argentino reitero nosso convite para que sejam cumpridas as resoluções das Nações Unidas”, disse Kirchner, na carta publicada pelos jornais The Guardian e Independent como um anúncio publicitário. A presidente se referiu ao decreto de 1960, no qual a ONU condena o colonialismo e convoca os países a abandonarem a prática. A carta também cita uma resolução de 1965, que reconheceu a questão das Malvinas como um caso de colonialismo e indicou a necessidade de diálogo entre as duas nações.

Para o professor Alberto Pfeifer, membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP) e diretor executivo do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) no Brasil, “a presidente argentina faz drama pela obediência da resolução das Nações Unidas, mas essa decisão não é nada mais do que um convite para conversações”. Segundo Pfeifer, o resgate da discussão sobre a soberania do arquipélago é, claramente, uma tentativa de agradar ao eleitorado argentino, que não admite a presença britânica nas ilhas. “Cristina Kirchner tem dois objetivos com essa carta: ocupar o espaço de noticiário interno —reafirmando os princípios nacionalistas e defendendo a própria popularidade — e, no campo internacional, manter o tema dentro da agenda de assuntos de discussão com o Reino Unido”, esclarece.

Devido à falta de mecanismos de barganha, a Argentina enfrenta dificuldades para até mesmo iniciar um diálogo, explica Pfeifer. Como o país sul-americano vive em luta contra a crise econômica, não tem como compensar financeiramente uma entrega do território pelos ingleses e segue apenas exigindo que a Grã-Bretanha ceda a soberania. “Antes da guerra de 1982, por ironia, o arquipélago nada mais era do que um dispêndio para o tesouro britânico, mas, hoje, é motivo de orgulho por uma guerra vencida a milhares de quilômetros e, agora, a descoberta de petróleo fez com que o preço das negociações subisse muito”, observa o professor, que diz não acreditar no sucesso da empreitada argentina.

Escolha popular

O referendo que o governo das ilhas fará em março é mais uma demonstração de que as chances de a Argentina recuperar as Malvinas são cada vez menores. A população de pouco mais de três mil habitantes decidirá se prefere manter o status britânico ou se quer fazer parte da Argentina. Kirchner rejeita a legitimidade da consulta popular e considera que a população da ilha foi “implantada” na invasão britânica de 1833. “Não somos uma colônia. Nossa relação com o Reino Unido é por escolha”, defendeu ontem o membro da Assembleia Legislativa do arquipélago, Barry Elsby, de acordo com agência de notícias France-Presse. “Ao contrário do governo da Argentina, o Reino Unido respeita o direito de nosso povo a determinar nossos próprios assuntos, um direito consagrado na Carta da ONU e que é ignorado pela Argentina”, completou o parlamentar.

A antiga disputa pelo controle do arquipélago foi marcada por tentativas frustradas de reconquista das ilhas pelo país latino. Em 1982, militares invadiram as Malvinas após anos apelando pelo fim da ocupação inglesa. “Eu nunca, nunca pensei que os argentinos invadiriam Falkland”, declarou a ex-primeira-ministra Margareth Thatcher, na época do conflito. As declarações foram divulgadas na última semana, com outros milhares de documentos do Reino Unido. O confronto entre argentinos e britânicos ficou conhecido como Guerra das Malvinas e durou pouco mais de dois meses. Além da derrota, a Argentina amargou a morte de 649 soldados, ao todo, 255 britânicos e 3 civis das ilhas também foram mortos.

A mensagem de Cristina Kirchner

Buenos Aires, 3 de janeiro de 2013

Sr. Primeiro-Ministro David Cameron,

Há 180 anos, nesta mesma data, 3 de janeiro, em um exercício ruidoso de colonialismo do século 19, a Argentina foi expulsa das Ilhas Malvinas, que estão situadas a 14 mil km de Londres.

Os argentinos sobre a ilha foram expulsos pela Marinha Real e o Reino Unido, subsequentemente, começou um processo de implantação da população similar ao que foi aplicado a outros territórios sob domínio colonial.

Desde então, o poder colonial tem se recusado a retornar os territórios para a República Argentina, assim a impedindo de restaurar sua integridade territorial.

A questão das Ilhas Malvinas é também uma causa abraçada pela América Latina e pela vasta maioria de povos e governos ao redor do mundo que rejeitam o colonialismo.

Em 1960, as Nações Unidas proclamaram a necessidade de “pôr um fim ao colonialismo em todas as suas formas e manifestações”. Em 1965, a Assembleia Geral adotou, por unanimidade, uma resolução considerando as Ilhas Malvinas um caso colonial e convidando os dois países a negociarem uma solução para a disputa pela soberania entre eles.

Isso foi seguido por muitas outras resoluções para esse efeito. Em nome do povo argentino, eu reitero nosso convite para darmos cumprimento a tais resoluções das Nações Unidas.

Cristina Fernandez de Kirchner, presidente da República Argentina