Correio braziliense, n. 20920, 02/09/2020. Política, p. 3

 

Só para futuros servidores

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

Vera Batista 

02/09/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro prometeu enviar amanhã para o Congresso Nacional a proposta de reforma administrativa do governo. Conforme salientou, “a medida não atingirá nenhum dos atuais servidores e se aplicará apenas aos futuros servidores concursados”.

O anúncio de Bolsonaro aconteceu após uma reunião, no Palácio da Alvorada, com ministros e líderes partidários, na manhã de ontem. Ministro da Economia, Paulo Guedes destacou que a proposta do Planalto é “importante” porque muda a trajetória de gastos futuros do governo. “Redefine toda a trajetória do serviço público no futuro. Um serviço público de qualidade, com meritocracia, concursos exigentes, promoção por mérito”, afirmou.

Até o momento, o que se ventila é que estudos do Ministério da Economia mudam de forma expressiva o serviço público, com flexibilização da estabilidade, redução de salários de acesso e revisão de benefícios. Entre as mudanças em debate, estão corte da quantidade de carreiras. Hoje são 117, com mais de 2 mil cargos. A intenção é baixar para 20 ou 30. Todas as regras valeriam também para juízes, procuradores e promotores.

Para reduzir o salário inicial no funcionalismo, a justificativa é de que, pelo modelo atual, os servidores ingressam com remunerações muito altas, desproporcionais em relação à iniciativa privada, e ficam desestimulados a subir na carreira. Há, ainda, proposta de criação de um novo cargo, sem vínculo, uma espécie de trainee, com duração de dois anos, diferente do atual estágio probatório (três anos), quando o servidor é avaliado antes de obter a estabilidade. O governo também quer ampliar as contratações temporárias celetistas, e até estuda criar funções temporárias, sem progressão e com tempo definido para permanecer no cargo.

E também pode ser revista a estabilidade até para os que já estiverem efetivados. Nas funções operacionais, como cargos técnicos ou de limpeza, poderá haver demissão. As alterações também vão atingir o sistema de licenças e gratificações, com a proposta de extinção da progressão automática por tempo de serviço.

Estratégia

Para mercado, servidores e parlamentares, o Executivo, desde o início, pensava em entregar o documento próximo do fim do ano, de modo a ser discutido no Congresso somente após as eleições ou em 2021. Assim, reduziria-se a pressão dos lobbies das carreiras do serviço público, e a aprovação fica mais fácil. E, com a chegada da pandemia, a população passou a cobrar que o funcionalismo dê sua cota de sacrifício.

“A princípio, havia a intenção de testar o mercado com o vazamento de alguns dados. Depois, como o texto tinha incorreções que podiam levar à judicialização, surgiu a ideia de ir postergando até encontrar o momento certo”, contou uma fonte palaciana. Um especialista em contas públicas admite que, se houve mesmo uma intenção, “foi perfeita”. “Do ponto de vista técnico, não faz sentido. O ideal seria dar uma sinalização correta aos investidores. Mas do ponto de vista político, não dá para negar que foi um golpe de mestre”, assinalou.

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Categorias preparam-se para o embate

02/09/2020

 

 

Se a reforma administrativa proposta pelo governo se concentrar apenas no corte de gastos, vai ser difícil o texto original passar no Congresso. Segundo o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), “qualquer reforma que parta do princípio único do ajuste fiscal já começa errada”. Ele admite a necessidade de aperfeiçoar o funcionalismo público, “mas é preciso chamar os servidores e as entidades representantes para o debate”, avisa.

O parlamentar observou que a Frente está atenta “e esperamos que, na quinta-feira, não venha uma proposta de precarização da relação de trabalho, com contratos de terceirizados, perdas de direitos e remuneração, e um grave risco à estabilidade. Se vier, não vai passar”, reforça Israel.

Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), avaliou que, no anúncio do presidente Jair Bolsonaro e da equipe econômica, “todos mencionaram a continuidade das reformas, mas não adiantaram o que será proposto. De toda forma, dá para antecipar alguma coisa: aviltamento de salários e contratações precárias”.

Para Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), os salários dos servidores já foram reduzidos. Estão sem reajustes há quase quatro anos e com mais um ano de congelamento pela frente. Segundo ele, também houve perda de renda com o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14% das remunerações, e com a correção dos planos de saúde.

“Não sei qual será a redação da reforma administrativa. Mas, como tramitará no Congresso, vai depender da pressão dos servidores. Uns acham que devem ficar quietos porque só mexerá com os futuros servidores. Esse não é o caminho”, critica. (VB)

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Mudanças fundamentais 

Luiz Calcagno 

02/09/2020

 

 

A notícia da retração de 9,7% no PIB brasileiro, no segundo trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ressalta a necessidade de reformas estruturantes. Foi o que afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defendeu as propostas de emenda à Constituição (PEC) das reformas tributária e administrativa, além do gatilho do teto de gastos como o caminho para organizar o orçamento no enfrentamento da crise econômica pós-coronavírus. Para Maia, esse é o caminho para que o governo consiga fazer investimentos sem descontrole nas contas públicas.

O presidente da Câmara fez o comentário após ser questionado sobre como enfrentar duas reformas complexas em um semestre em que parlamentares estão trabalhando de modo remoto, devido ao coronavírus. “A tributária está na frente. Já passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). A outra chega na quinta (amanhã). Vamos dar celeridade. Sou otimista”, afirmou.

Sem as reformas, para conseguir dinheiro para programas sociais e de infraestrutura, o governo teria de criar ou aumentar impostos, o que Maia chamou de aumento antinatural da arrecadação. Ele lembrou que a carga tributária brasileira equivale a 35% do PIB, “muito alta para um país emergente”.

“Precisamos da reforma administrativa para melhorar o gasto público, e a tributária para o setor privado mais competitivo”, destacou.