Título: Líder opositor é morto e país afunda na crise
Autor: Craveiro , Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2013, Mundo, p. 16

Três tiros disparados contra a cabeça e o pescoço de Chokri Belaid calaram uma das vozes mais proeminentes da oposição na Tunísia e lançaram o país em uma grave crise política. O primeiro-ministro, Hamid Jebali, reagiu ao assassinato prometendo dissolver o governo islâmico e formar um regime de unidade nacional. Pouco antes, os deputados aliados a Chokri abandonaram a Assembleia Constituinte e convocaram uma greve geral, enquanto manifestantes tomaram as ruas de Túnis e entraram em choque com a polícia. Em outras cidades, uma multidão furiosa investiu contra o Movimento Ennahda — o partido moderado islâmico no poder. A sede da facção, em Mezzouna, perto de Sidi Bouzid, foi incendiada e saqueada. O escritório em Gafsa (centro) também sofreu pilhagem.

O atentado contra Chokri aconteceu por volta das 8h30 (5h30 em Brasília) de ontem, diante de sua residência, no bairro de El Manzah, em Túnis. Segundo testemunhas, o político teria sido abordado pelo atirador, que dirigia uma motocicleta, no momento em que entrava em seu Fiat Punto de cor preta. Chokri ainda foi levado com vida para a Clínica Ennassr, mas morreu minutos depois. Jebali classificou o assassinato de “ato de terrorismo”. “É um ato criminoso, um ato de terrorismo não apenas contra (Chokri) Belaid, mas contra todo o país”, declarou à rádio Mosaique FM. A família de Belaid e pessoas próximas culparam os islamitas no poder pelo crime. “Meu irmão foi assassinado. Eu estou desesperado e deprimido”, afirmou Abdelmajid Belaid, em entrevista à agência de notícias France-Presse. “Acuso (o chefe do Ennahda) Rached Ghannouchi de ter ordenado a morte de meu irmão”, desabafou. Uma testemunha afirmou à polícia que suspeitou da atitude do motorista de Chokri, segundo a qual transparecia calma.

Por telefone, o tunisiano Youssef Gaigi, um blogueiro e ativista de 34 anos, afirmou ao Correio que os opositores se concentraram no centro de Túnis para protestar pacificamente, no mesmo local em que derrubaram o ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro de 2011. “Os policiais tentaram dispersar a multidão com gás lacrimogêneo, quando os confrontos começaram. Os manifestantes escoltaram a ambulância com o corpo de Chokri e marcharam pela Avenida Habib Borguiba, ao lado da viatura”, comentou o morador de Túnis. Revoltados, gritavam os mesmos slogans ecoados dois anos atrás: “Não mais medo”, “O povo quer derrubar o regime” e “Poder ao povo”.

O presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, participava de uma sessão no Parlamento Europeu, em Estrasburgo (França), quando soube do atentado. Ele cancelou sua participação na cúpula da Organização da Cooperação Islâmica, que termina hoje, e voltou às pressas para Túnis. “Este assassinato odioso de um líder político que eu conhecia bem e que era meu amigo… é uma ameaça, é uma carta enviada que não será recebida”, disse Marzoubi, perante o Parlamento Europeu. “Rejeitamos esta mensagem e vamos continuar a desmascarar os inimigos da revolução”, prometeu.

Futuro em risco De acordo com o cientista social tunisiano Noomane Raboudi, a morte de Chokri foi o primeiro assassinato político da Tunísia pós-revolução. “Está muito claro que alguns atores tentam intimidar a classe política. Não posso excluir a implicação dos radicais islâmicos, mas o crime também pode ter sido obra de alguém que não deseja ver a democratização do país”, afirmou ao Correio, por e-mail. O analista acredita que o Ennahda tenha responsabilidade pelo trágico destino de Chokri. “O partido criou as condições para esse ato horrível. No governo, foi completamente suave e tolerante com os extremistas, que atacaram apresentações artísticas e cinemas. As bases populares do Ennahda criaram uma campanha de ódio contra os secularistas e contra o próprio líder opositor”, observa. Na opinião dele, o governo atual está acabado e o futuro da Tunísia foi colocado em xeque. “A Tunísia era quase o único país árabe que tinha todos os ingredientes para se tornar democrático. Por causa dos islamitas, esse sonho está cada vez mais distante”, disse.

O também tunisiano Jabeur Ben-Hass Fatally, professor de direito na Universidade de Ottawa (Canadá), aposta que o assassinato de Chokri terá impactos imediatos e de longo prazo. “A primeira consequência já aconteceu, com a dissolução do governo. A incompetência do regime tornou-se óbvia e virou motivo de piada diária entre meus conterrâneos. Nos próximos dias, veremos a disseminação da violência e das tensões, especialmente nas regiões mais pobres, além da implosão do Ennahda. Muitos de seus membros renunciarão ou abandonarão a vida política”, opinou, também por e-mail.

Fatally alerta para o risco sério e real de a Tunísia enfrentar ataques com carros-bomba e de se tornar palco de atentados contra franceses. Segundo ele, o crime deve beneficiar ao menos uma facção. “A morte de Chokri ajudará o ex-premiê Beiji Quaid Essebssi a construir mais alianças e a fortalecer o partido Nidaa Tounes (‘Chamado da Tunísia’). Se as eleições ocorrerem nos próximos meses, o Ennahda perderá”, conclui.