Título: Bento XVI denuncia divisões na Igreja
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 14/02/2013, Mundo, p. 12

Em suas primeiras aparições após anunciar a decisão de deixar o cargo, o papa critica a "hipocrisia religiosa" e pede o fim das rivalidades

Bento XVI fez ontem suas primeiras aparições públicas depois do anúncio de sua renúncia. A homilia da missa de quarta-feira de cinzas, na Basílica de São Pedro, foi a última celebração como papa. Recebido de modo efusivo, o pontífice alemão criticou as divisões e os embates no seio da Igreja Católica. “Jesus denunciou a hipocrisia religiosa e aqueles que buscam o aplauso e a aprovação. As divisões eclesiásticas deturpam a Igreja. É preciso superar as rivalidades internas”, declarou. Horas antes, em uma cerimônia assistida por 3,5 mil fiéis, ele garantiu que a decisão de deixar a função era para o “bem da Igreja”. O líder católico se disse consciente do significado de sua renúncia e voltou a apontar questões de saúde como a razão para deixar o cargo. “Eu tomei essa decisão em plena liberdade e pelo bem da Igreja, depois de ter rezado muito e examinado minha consciência diante de Deus”, disse.

Não foi a primeira vez que o papa mencionou os problemas da Igreja Católica em público. Em seu primeiro discurso, em 25 de abril de 2005, Bento XVI havia pedido forças a Deus para “enfrentar os lobos”. Em janeiro do ano passado, Joseph Ratzinger — seu nome de batismo — enfrentou o escândalo VatiLeaks. O antigo mordomo, Paolo Gabriele, roubou e ajudou a divulgar documentos pessoais do pontífice. Em sua defesa, Gabriele alegou que tentava defender o Santo Padre dos “lobos” e dos jogos de poder na cúpula da Igreja Católica.

Em oito anos de pontificado, Bento XVI enfrentou outros sérios obstáculos. A publicidade de casos de pedofilia cometidos por membros do corpo eclesiástico fragilizou ainda mais a imagem da instituição. “O enfrentamento da questão dramática da pedofilia, especialmente em países tradicionais no catolicismo, foi causa de grandes pressões internas”, afirma o especialista em pontificado Fernando Altemeyer, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para Altemeyer, é inegável que conflitos e brigas dentro da Igreja influenciaram na decisão da renúncia. “Essas coisas foram gotas d’água, mas não creio que sejam as que fizeram o copo transbordar. As dificuldades e intrigas fazem parte da humanidade”, conclui.

Especulações que antecedem o anúncio da renúncia do Sumo Pontífice já sugeriam embates políticos e o isolamento de Bento XVI. “A instituição religiosa é, também, uma instituição política. Como todas as instituições políticas, você tem os embates, as tendências e as controvérsias”, explica Sílvia Fernandes, socióloga Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ). Ao mesmo tempo em que se discute a fragilidade política do pontificado atual, uma série de movimentos começa a surgir, no sentido de influenciar a decisão do conclave — a eleição do sucessor para o cargo. Apesar de a maior parte do mundo ter se surpreendido com a renúncia do papa, o Vaticano teria começado a articular uma sucessão já em 2010.

“A notícia da renúncia é surpreendente, mas nos faltam mais dados para que tenhamos certeza do que está acontecendo de fato”, diz Fernandes. “A não ser que apareça um mordomo qualquer para revelar alguma outra novidade, dificilmente a gente vai conseguir conhecer todos os elementos e fichas que estão em jogo”, afirma a professora. Os especialistas concordam, porém, que a fragilidade física do papa não pode ser descartada como a principal razão para a decisão de Bento XVI. “Por causa da idade, ele se viu sem condições de se manter à frente da liderança máxima da Igreja. Acho que foi uma atitude corajosa e bastante consciente. É algo que devemos admirar”, defende Paulo Fernando Carneiro de Andrade, professor decano da PUC-RJ.

As aparições do papa foram marcadas por fiéis emocionados. Durante a missa rezada ontem, muitos não conseguiram conter as lágrimas. “Acho que as pessoas se identificam com esse ato dele e pensam: ‘O papa é como eu. É pessoa humana, tem sentimentos e fragilidades, ele não é o Super-Homem’”, explica Altemeyer. A saída do pontífice abre espaço para a renovação e a modernização da Igreja. “O desafio exige gente mais jovem, acho que isso é um bom aviso para os navegantes”, conclui o professor.

“Jesus denunciou a hipocrisia religiosa e aqueles que buscam o aplauso e a aprovação. As divisões eclesiásticas deturpam a Igreja” Papa Bento XVI