O globo, n. 31795, 25/08/2020. Rio, p. 14

 

Arquitetura de um crime

25/08/2020

 

 

 Recorte capturado

Flordelis vira ré pela morte do marido e investigação revela tramas macabras

 ‘Não se trata bem de uma família, mas de uma organização criminosa. Descobrimos que toda aquela imagem altruísta, de decência, era apenas um enredo para ela alcançar objetivos financeiros e a projeção política”. Com essa declaração, o delegado Allan Duarte justificou uma denúncia contra a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD-RJ), agora formalmente acusada de ser amandante do assassinato do marido, o pastor evangélico Anderson do Carmo, em junho do ano passado. E, de acordo coma Polícia Civil e o Ministério Público do Rio, por trás do enredo montado por Flordelis, que também é pastora evangélica, havia uma trama de traições, sexo, rituais de magia negra e até “rachadinhas” — desvios de salários de funcionários de parlamentares.

Flordelis e Anderson tinham 55 filhos, a maioria adotivos. O próprio pastor havia sido adotado pela deputada, e chegou a ser tratado como genro, quando namorou uma de suas filhas. Segundo investigadores, ele controlava a família com mão de ferro, tomando conta de tudo, da partilha dos alimentos às finanças, e ainda administrava a igreja fundada pelo casal, que, até 2019, tinha oito templos.

Morto com mais de 30 tiros na garagem de casa, em Pendotiba, Niterói, Anderson era odiado por parte dos filhos e pela mulher, e foi alvo de oito tentativas frustradas de assassinato, inclusive por envenenamento. Ele foi hospitalizado cinco vezes.

A família tentou esconder evidências dos crimes, segundo a polícia, e fez uma fogueira no quintal da casa para destruir provas. Mas, pouco a pouco, os indícios apareceram ao longo de um ano e dois meses de investigação. O revólver usado na execução estava em cima do armário de Flávio, filho que admitiu ser o autor dos disparos. Outras confissões e contradições em depoimentos também resultaram em provas, assim como mensagens de celulares que revelaram planos criminosos.

Numa das mensagens descobertas por policiais e promotores, Flordelis escreveu a um dos filhos: “André, pelo amor de Deus, vamos por um fim nisso. Me ajuda. Cara, tô te pedindo, te implorando. Até quando vamos ter que suportaressetra steno nosso meio ?”. Numa outra, Marzy, uma das filhas, incitou o irmão Lucas a matar o pastor por R$ 10 mil.

Por seis vezes, tentaram envenenar Anderson com arsênico. Investigadores comprovaram que duas filhas fizeram pesquisas na internet sobre venenos que teriam sido colocadas em sucos e pratos servidos a Anderson; misturadas a porções de feijão, amolho de macarrão e a sobremesas. Anderson  foi internado cinco vezes com problemas digestivos. Numa mensagem de celular, uma das autoras da tentativa de homicídio lamentou: “Ele é ruim de morrer”. A família ainda tentou forjar dois latrocínios (roubo seguido de execução). O último resultou na morte d eAnderson.

Em um recado enviado aos filhos, Flordelis se justificou sobre o plano de execução. “Fazer o quê? Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de Deus”, escreveu a pastora e cantora gospel. De acordo com a Polícia Civil e o Ministério Público, parte do grupo participava de orgias com a deputada e o pastor. Além disso, alguns participavam de rituais secretos e tinham braços na atuação parlamentar, dentro do gabinete em Brasília. Esses eram obrigados a fazer “rachadinha” em que devolviam parte de seus salários a Flordelis.

Foram presos ontem os filhos Marzy Teixeira da Silva, Simone dos Santos Rodrigues, André Luiz de Oliveira, Carlos Ubiraci Francisco Silva e Adriano dos Santos, além da neta Rayane dos Santos Oliveira e de Andreia Santos Maia, mulher do ex-policial Marcos Siqueira. Ele e outros dois filhos de Anderson e Flordelis, Flávio dos Santos Rodrigues e Lucas Cezar dos Santos, já estavam na cadeia. A deputada, por ter imunidade parlamentar, só pode ser presa em flagrante. Ela, entretanto, foi indiciada por cinco crimes.

A defesa da família afirmou que foi surpreendida pela operação de ontem e só se manifestará quando tiver acesso ao inquérito. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse que vai analisar o caso, e o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, prometeu tomar medidas para expulsar Flordelis da legenda.

“Fazer o quê? Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de _ Deus”

Flordelis, deputada federal