Título: A bolsa de valores que está em alta
Autor: D'Angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2013, Economia, p. 7

Existem, hoje, duas “bolsas de valores” no Brasil. Uma é a mais conhecida, representada pelo Ibovespa — índice que reflete a variação média de uma cesta de 70 papéis de 63 empresas mais negociados no pregão em São Paulo — que vai mal das pernas há três anos e responsável por desestimular os investidores, principalmente as pessoas físicas. A outra, já batizada por parte dos analistas de “nova bolsa”, é também composta de empresas fortes e com liquidez, sobe bastante e dá ganhos bem mais altos que as demais aplicações disponíveis no mercado.

Enquanto o badalado Ibovespa amarga perdas de 11% nos últimos 12 meses, há muitas ações dentro do próprio indicador com ganhos positivos, que chegam a 66% no mesmo período (veja quadro). O que mascara os resultados para lá de positivos de papéis que também fazem parte do principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo é o peso exercido por gigantes como Petrobras, Vale e siderúrgicas, além da petrolífera OGX, do empresário Eike Batista, cujas ações se desvalorizaram fortemente desde 2010.

Juntas, essas companhias que atuam no setor de commodities — mercadorias vendidas em seu estado bruto, basicamente para o mercado externo, cotadas em dólar — representam quase um terço do Ibovespa. Por causa disso, elas conseguem arrastar o indicador para baixo quando caem. Enquanto o Ibovespa tem queda de 11%, outras cestas de papéis negociados na própria Bovespa estão com ganhos, comenta o consultor financeiro João Pessine Neto. É o caso do índice que reúne ações de empresas do setor de consumo, o ICON, com alta de 24,5% nos últimos 12 meses, e até mesmo o do setor industrial, o INDX, com valorização de 10,2%.

“É falsa a percepção de que o investimento em ações tem sido ruim. Porém, o índice mais divulgado e conhecido é o Ibovespa, que reflete basicamente o desempenho das empresas de maior peso, que são justamente as ligadas ao setor de commodities, as mais afetadas pela crise mundial”, esclarece Rogério Oliveira, especialista em bolsa da Icap, corretora que atua em mais de 30 países. Mesmo que outros 40 papéis do pegão subam, diz, o Ibovespa não consegue se manter em alta devido ao peso que alguns que caem exercem sobre o indicador. E tome tombo.

Ladeira abaixo As ações da Petrobras vêm em queda desde o primeiro semestre de 2010. Somente no período de 12 meses até 7 de março, a desvalorização alcançou 20%. Depois do recuo em 2010, a Vale reagiu em 2011, mas teve desempenho ruim no ano passado, com o menor ritmo de crescimento da economia chinesa, o que deixou seus papéis no campo negativo desde março de 2012, com retração de 6%.

As siderúrgicas, que concentram os negócios nas exportações, têm sofrido bastante. A cobiçada Usiminas amarga desvalorização de 60% desde abril de 2010. Os papéis da Companhia Siderúrgica Nacional acumulam prejuízo de 70% no mesmo período e de 36% em 12 meses.

Enquanto essas vedetes da bolsa sangravam, ações como da Ambev, do setor de infraestrutura e do varejo registravam entre 26% e 66% de valorização nos últimos 12 meses. Amerson Magalhães, diretor do Easynvest, plataforma de negociação pela internet da Título Corretora, concorda que o investidor pode chegar a uma conclusão errada de que a aplicação em ações não tem sido vantajosa, quando há diversos ativos com ganhos expressivos.

Oliveira, da Icap, observa que o conceito predominante e divulgado de que o mais seguro era aplicar em empresas carros-chefes da Bovespa, como Petrobras e Vale, foi superado pela mudança das condições econômicas do Brasil nos últimos anos e do cenário externo. Com a crise na Europa e nos Estados Unidos, que arrastou o resto do mundo, essas empresas sujeitas ao bom desempenho das economias dos países estrangeiros foram afetadas negativamente.

Mudança de cenário Já as ligadas ao mercado interno, que foi estimulado por medidas do governo, como maior acesso a crédito e redução das taxas de juros, foram beneficiadas. As relacionadas à construção e a obras de infraestrutura também foram um sucesso, caso da CCR S/A. Valorizaram bastante empresas como Lojas Americanas, Renner e Natura. Ganhou dinheiro quem foi capaz de perceber essa mudança no cenário econômico e deslocou o foco de investimento.

“As empresas relacionadas ao consumo interno são as que estão puxando a economia brasileira nos últimos anos e, por isso, tiveram grande valorização, aumentando a liquidez (facilidade de comprar e de vender grandes lotes) na bolsa”, afirma Magalhães. Para Rogério Oliveira, hoje, há muitas ações que permitem a qualquer pessoa com perfil mais conservador para aplicar na bolsa dormir tranquila com elas, sem risco de quebra ou de crédito. Ele observa que grandes fundos de investimento e de pensão já não usam mais o Ibovespa como referência para avaliar o desempenho das suas carteiras e, sim, outros índices, com peso das ações mais bem distribuído entre elas.

Gangorra

Depois de um período de cinco anos consecutivos de valorização, até 2007, o Ibovespa ingressou numa gangorra de perdas altas e ganhos baixos. Em 2008, auge da crise internacional, registrou queda de 41,2%. Recuperou parte das perdas no ano seguinte e teve alta de 83%. Em 2010, fechou praticamente estável, com ganho de apenas 1%, para cair de novo, em 2011 — 18,1%. No ano passado, conseguiu até encerrar o exercício com valorização de 7,4%, puxada nos últimos meses, depois de três trimestres negativos. Neste ano, está com perdas de 4,19% até a última sexta-feira.