O Estado de São Paulo, n.46322, 14/08/2020. Política, p.A6

 

Supremo limita Abin e cita 'arapongagem'

Rafael Moraes Moura

14/08/2020

 

 

Em recado ao governo, ministros decidem que pedidos de compartilhamento de dados só devem ser feitos se houver interesse público

O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs ontem limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A Corte decidiu que a agência só pode pedir compartilhamento de informações a outros órgãos de informação do governo quando o interesse público ficar evidente. O julgamento (por 9 votos a 1) foi visto como uma derrota para o Palácio do Planalto, em uma sessão marcada por recados ao governo Jair Bolsonaro.

"Não estamos aqui a cuidar de Abin paralela. Por uma razão simples: Inteligência está posta como uma atividade necessária. Arapongagem, para usar uma expressão vulgar, mas no dicionário, essa atividade não é direito, é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. O agente que adota prática de solicitação de dados específicos sobre quem quer que seja fora dos limites da legalidade comete crime", afirmou a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso.

O Supremo também barrou o envio de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidas com prévia autorização judicial. A ação, protocolada pela Rede e pelo PSB, gira em torno de um decreto assinado no mês passado por Bolsonaro. O texto fez mudanças na estrutura da Abin, ampliando o número de cargos de confiança e criando uma nova unidade, o Centro de Inteligência Nacional. As siglas alegaram que a medida é mais um dos "abusos do governo federal", ampliando as hipóteses de requisição de informações por parte da agência. O texto está previsto para entrar em vigor na próxima segunda-feira.

A decisão que impõe limites à atuação da Abin envolve pedidos de compartilhamento de dados dos 42 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça.

"Qualquer fornecimento de informação, mesmo entre órgãos públicos que não cumpram rigores formais do direito nem atendam ao interesse público, configura abuso de direito e contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin", disse Cármen. O entendimento da relatora foi seguido por todos os ministros, à exceção de Marco Aurélio Mello. Celso de Mello não compareceu à sessão.

'Preocupações'. "Tem-se um cenário em que a ausência de protocolos claros de proteção e tratamento de dados, somada à possibilidade, amplamente divulgada na imprensa, de construção de dossiês investigativos contra servidores públicos e cidadãos pertencentes à oposição política, deve gerar preocupações quanto à limitação constitucional do serviço de Inteligência", disse o ministro Edson Fachin.

O julgamento ocorreu em meio à repercussão de um dossiê elaborado pela Seopi contra opositores do governo Bolsonaro que se intitulam "antifascistas". Esse caso vai ser analisado pelo STF na próxima quarta-feira. "Toda e qualquer decisão de requisitar os dados deverá ser motivada. É preciso que se saiba sempre quem entregou e quem recebeu, porque isso é importante para o controle da cadeia da legalidade", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso.

A Abin não se manifestou sobre o resultado do julgamento até a conclusão desta edição.

'Crime'

"Não estamos aqui a cuidar de Abin paralela. Arapongagem, para usar uma expressão vulgar, essa atividade não é direito, é crime."

Cármen Lúcia

MINISTRA DO STF E RELATORA DO CASO