Título: Cooperação e inclusão política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/10/2008, Opinião, p. A8

A assinatura de acordos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder venezuelano, Hugo Chávez, na terça-feira, aponta um momento próspero à América Latina que busca se unir. Ainda que de modo tímido, a articulação entre os vizinhos latino-americanos é um passo bem-vindo à porção do continente próxima culturalmente e carente de projetos de desenvolvimento comum.

Com foco nas áreas de energia, indústrias e transporte, os mandatários assinaram sete acordos de cooperação bilateral e se juntaram a líderes do Equador (Rafael Correa) e da Bolívia (Evo Morales) para debater planos de integração física e regional no território amazônico, além da reativação do Banco do Sul. Os novos acordos firmados por Lula e Chávez compreendem a construção de uma planta siderúrgica, com capacidade para produzir 1 milhão de toneladas de aço líquido por ano, e a cooperação no campo petrolífero, em que Petrobras e a estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) construirão uma empresa binacional, cujos 60% são do Brasil.

Mais do que promover progresso intracontinental, projetos desse tipo confirmam a importância do pensar e agir comum na região. A História vem dando provas dos benefícios decorrentes da união entre países e regiões vizinhas. A União Européia, por exemplo, há décadas concentra esforços de modo a facilitar transações comerciais, fluxo de imigrantes e uma legislação comum às nações que a compõem. Com objetivos semelhantes, governos latino-americanos ganham musculatura para produzir benefícios às suas populações. A criação de um elo rodoviário e fluvial para unir os oceanos Atlântico e Pacífico, do porto equatoriano de Manta até Manaus e Belém, assim como um corredor amazônico para conectar La Paz, Manaus e Caracas, proporcionará facilidade para o trânsito de pessoas e aquecimento nas transações econômicas.

O contexto favorável conta, ainda, com o alicerce da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), cada vez mais atuante e fortificado. O órgão, criado para suprir a escassez de integração na América do Sul, tem como princípio a integração física, energética, de telecomunicações e nas áreas de ciência, educação, além de mecanismos financeiros entre Argentina, Brasil, Colômbia, Guiana, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Equador, Peru, Suriname e Venezuela.

A capacidade de inclusão e de promover ações orientadas para a cooperação, conforme sublinhou o cientista político Marcelo Coutinho em entrevista publicada esta semana no Jornal do Brasil, é o segredo institucional e de estabilidade para o desenvolvimento da América Latina. A Unasul mostra-se, portanto, um espaço novo para estabelecimento do diálogo entre as nações e entre os agentes internos de cada país, por ser uma instância local capaz de debater problemas de caráter regional. Além disso, aponta Coutinho, constrange atitudes não institucionais e comportamentos não cooperativos, e "auxilia a alcançar o segredo institucional sul-americano com mais velocidade".

Frente à maré de bons presságios que a Unasul e uma maior cooperação entre os vizinhos sul-americanos pode trazer, convém esclarecer que integração e bilateralismo são bem-vindos desde que se distanciem de questões ideológicas. A contaminação dessa natureza turvou os caminhos do Mercosul nos últimos anos. Ter projetos econômicos em comum com o Equador, por exemplo, não significa compartilhar o mesmo sistema político ou, muito menos, ter em vista uma Constituição de linha socialista ¿ como a aprovada pelos equatorianos no último domingo. A diversidade, ao lado da possibilidade de haver divergências e debate, deve ser vista como premissa para a existência de um ambiente democrático na América Latina.