Correio Braziliense, n. 21076, 06/02/2021. Brasil, p. 6

 

Anvisa reage à pressão para aprovar vacinas

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

06/02/2021

 

 

Abrir mão de exigir que somente vacinas com o estudo clínico em fase 3 no Brasil possam entrar com pedido de uso emergencial não foi suficiente para diminuir as pressões sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mesmo assim, ao aprovar o projeto originário da Medida Provisória 1003/20 — cujo ponto central é autorizar a adesão do Brasil ao consórcio multilateral Covax Facility —, o Congresso não reavaliou emendas que flexibilizam, ainda mais, compras e uso de medicamentos e imunizantes contra a covid-19. Alegando que tais medidas invalidam o papel regulador da agência e comprometem a segurança da população, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, espera vetos do Executivo ao texto e ameaça acionar a Justiça "se for necessário".

Em entrevista ao Correio, Barra Torres informou ter enviado à Casa Civil um documento cujo objetivo é tentar reverter pontos do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 43/2020, que contém o texto-base da MP, por meio de vetos do presidente Jair Bolsonaro. E negou que já haja um acerto com o chefe do Executivo para que o pedido seja acatado. "Não tem nada acordado com ninguém. Entendemos que essa medida provisória implicará em risco à saúde da população, se for aprovada integralmente, e vamos até as últimas consequências para provar isso", garantiu Barra Torres, caso o texto seja mantido.

As principais ponderações da agência estão concentradas no artigo 5º do PLV, que determina o prazo de até cinco dias para que a Anvisa conceda "autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso de qualquer vacina contra a covid-19" aprovada, em caráter temporário ou definitivo, por agências da Rússia, Coreia do Sul, Canadá, Argentina, Estados Unidos, União Europeia, Japão, China e Reino Unido. Na alteração feita pela agência, na última quarta-feira, a avaliação para fármacos sem estudo clínico no Brasil poderia levar 30 dias.

"Este prazo (de cinco dias) não sabemos de onde vem. Qual a fonte? Está previsto em algum organismo internacional? Foi acordado entre os países? É da convicção de alguma agência regulatória do porte da Anvisa? A resposta para tudo isso é não", argumentou o presidente da agência, ao defender a ampliação do tempo de análise.

Cerceamento
Outro ponto questionado no texto é o caráter meramente concessivo da aprovação do fármaco, e não de análise para, aí sim, proceder a liberação. "Se a agência só pode conceder autorização, não é a agência reguladora, é uma agência de atividade cartorial", salientou Barra Torres, afirmando que a redação no PLV cercearia o trabalho dos servidores e feriria um preceito constitucional.

Mesmo assinalando não saber se Bolsonaro vetará integralmente ou parcialmente o PLV, na live da última quinta-feira, que contou com a participação do presidente da Anvisa, o chefe do Executivo comentou a aprovação do texto pelo Congresso e indicou a abertura para possíveis mudanças. E disse que a decisão final ficará nas mãos dos parlamentares. "Vai passar por uma possível sanção minha. Posso vetar também. Como a Anvisa vai interpretar isso daí, se esses prazos forem diminuídos demais?", questionou Bolsonaro.