O globo, n. 31965, 11/02/2021. País, p. 8

 

Villas Bôas: publicação sobre julgamento de lula teve endosso do exército

Pedro Capetti

11/02/2021

 

 

Ex-comandante da Força conta em livro que postagem na Véspera de decisão do STF em 2018 foi debatida com Alto Comando

Comandante do Exército nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, o general Eduardo Villas Bôas revelou que publicações polêmicas feitas no Twitter na véspera do julgamento, em 2018, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de habeas corpus do ex-presidente Lula para recorrer da condenação em liberdade foram articuladas e “rascunhadas” em conjunto com o Alto Comando da instituição.

As declarações fazem parte do livro “General Villas Bôas: conversa com o comandante”, recém-lançado pela Editora FGV, a partir de depoimentos concedidos pelo general ao longo de cinco dias entre agosto e setembro de 2019.

A entrevista, com mais de 13 horas de duração, foi feita pelo professore pesquisador Celso de Castro. Vítima de uma rara doença neuromotora de caráter degenerativo, Villas Bôas respira hoje com ajuda de aparelho e usa cadeira de rodas.

Na véspera do julgamento, Villas Bôas postou, no Twitter, que a instituição “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. E que o Exército também defende o “respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”, e que a instituição “se mantém atenta às suas missões institucionais”. Na época, a publicação foi interpretada, principalmente no PT, como pressão sobre o STF.

REAÇÃO NO SUPREMO

No livro, o militar narra que o texto foi redigido por várias mãos na alta cúpula do Exército. “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidasas sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei para o CComSEx (Setor de comunicação do Exército) para expedição”, descreveu.

A postagem gerou reação na época. Sem citardiret amenteVil lasBô as, o então ministro do STF Celso de Mel lo disse que um comentário realizado por “altíssima fonte” foi “claramente infringente do princípio da separação de Poderes” e alertou contra “práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional”.

O general afirma que o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen, não foram avisados da publicação, assim como os chefes de Marinha e Aeronáutica.

Durante a entrevista, o general afirma que duas motivações moveram o Alto Comando do Exército a adotar a ofensiva. Uma delas foi o aumento das demandas por uma intervenção militar em encontros com empresários e pessoas da sociedade civil.

“Externamente, nos preocupavam as consequências do extravasamento da indignação que tomava conta da população. Tínhamos aferição decorrente do aumento das demandas por uma intervenção militar. Era muito mais prudente preveni-la do que, depois, sermos empregados para contê-la”, afirma.

No livro, o militar voltou a classificar o episódio como “oportuno”. “Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça”, narra em trecho da entrevista. A mesma opinião já havia sido manifestada por ele em entrevista ao GLOBO, na série “Década de Ruptura”.

Em outro trecho, ao falar sobre o governo Bolsonaro, Villas Bôas refuta a ideia de que o presidente representa a volta dos militares ao poder, mesmo havendo recorde de miliares em cargos de primeiro e segundo escalões. Para o general, Jair Bolsonaro deu ênfase ao combate ao politicamente correto, do qual a população estava cansada”.

Segundo o general, a esquerda aderiu ao “politicamente correto” com “pautas esvaziadas desde aquedado comunismo ”. Isso faz, na avaliação do militar, que haja dificuldade de enxergara realidade. Para ele, a sociedade está“carente de valores universais, que igualem as pessoas pela condição humana”.

“Quanto maior a ênfase, por exemplo, nas teorias de gênero, maior a homofobia; quanto mias igualdade de gêneros, mais cresce o feminicídio; quanto mais se combate a discriminação racial, mais ela se intensifica”, opinou.

Questionado sobre a conversa entre ele e Bolsonaro, quando este disseque o general era um dos responsáveis pela sua chegada ao Planalto, disse que a conversa “morrerá” entre ele se que “não foi um tema de caráter conspiratório”.

No livro, ao mesmo tempo em que rechaça a sua proximidade com a política, assim como a do Exército, o militar relata encontros com o expresidente Temer para discutir uma reação do Exército à possibilidade de impeachment e também com os presidenciáveis de 2018 para debater “projeto nacional”.

Sobre o governo Dilma, o general diz que havia um distanciamento da cúpula militar com o Planalto, diferentemente da relação nos dois mandatos do ex-presidente Lula. Afirma que os indícios de corrupção, a evolução negativa da economia e os moldes da Comissão da Verdade despertaram “um sentimento de traição em relação ao governo”.