Título: Os desafios da Rússia
Autor: Medvedovsky, Aleksander
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2008, Opinião, p. A9

DIRETOR-GERAL DA OSTALCO DO BRASIL S.A. E REPRESENTANTE DO `JORNAL DO BRASIL¿ PARA A FEDERAÇÃO RUSSA

"Opróximo ano será muito complicado". Com esta frase, o presidente Dmitri Medvedev avaliou a perspectiva da economia russa em 2009, num encontro recente com jornalistas. Desde o início da crise, os dirigentes russos não escondem a preocupação com suas conseqüências, mesmo tendo na manga o colchão de segurança para o país em impressionantes US$ 594 bi. Para defesa do rublo, cuja cotação caiu 11%, as reservas já haviam caído para US$ 453,5 bi em 14 de novembro. Apesar de generosas linhas de crédito para ajudar as maiores e mais estratégicas empresas do país e apoiar o sistema bancário ¿ principalmente, pequenos e médios bancos ¿ e outros segmentos da economia nacional, sinais de melhora ainda estão para vir. O prognóstico para o PIB de 2008 caiu de 7,8% para 7,12%. O de 2009, para 6% ¿ ou 3%, na opinião dos mais pessimistas. As grandes empresas cada vez mais demonstram precisar de apoio governamental. O gigante UCRusal, cujo acionista é o homem mais rico da Rússia, recebeu, em 2007, crédito consolidado de 11 bancos internacionais para a compra de ações da Nornikel ¿ holding da metalurgia russa. As ações da Nornikel perderam cinco vezes o valor, obrigando, em outubro, a UCRusal a oferecer garantias adicionais aos bancos. Para que as ações não passassem aos credores, o governo emprestou à empresa US$ 4,5 bi, recebendo, em garantia, suas ações. A situação é bem parecida com a vivida por outro gigante metalúrgico, o Evraz. Com a aquisição de empresas do setor, inclusive nos EUA, o grupo se endividou em US$ 10,24 bi, tendo obrigações a curto prazo de US$ 4,14 bi. O Evraz, assim como um dos principais bancos russos, o Alfa Bank, e outras importantes empresas, está se candidatando a receber apoio governamental.

As empresas exportadoras de petróleo e gás, principalmente os seus lideres, estão bem financeiramente, mas, com as cotações atuais em torno de US$ 50 o barril, anunciaram uma correção de planos de desenvolvimento e foram ao governo pedir, basicamente, a alteração do sistema tributário. Com a cotação de US$ 70, a Gasprom planeja, em 2009, diminuir seu programa de investimentos em 25%. A Lukoil já anunciou que o crescimento da produção só ocorrerá com preços acima US$ 105 e a manutenção de US$ 80 a US$ 90 por barril. As pequenas empresas do setor, responsáveis por 30% da produção do petróleo independente, ameaçam parar.

A população começou a perceber o iminente perigo. O importante diário Vedomosti publicou pesquisa mostrando que 65% dos russos consideram a crise como a mais importante noticía atual. Enquanto isso, 80% se preocupam com suas conseqüências. Somente 8% acham que não há crise. Ao serem perguntados sobre quais elementos da crise eles perceberam no cotidiano, 59% falam de aumento de preços, 21% de atraso salarial e 15% de dificuldades de financiamento. Ao mesmo tempo, o povo acredita firmemente em seus dirigentes. De acordo com levantamento do Centro Levada, a popularidade do presidente Medvedev cresceu 2%, subindo a 78%. A do primeiro-ministro, Vladimir Putin, chegou a 86%. Agradecido, Putin anunciou esperadas e importantes medidas na área tributária para diminuir a carga de impostos das empresas russas ¿ das maiores até as pequenas e médias. O principal tributo ¿ o imposto de renda, atualmente em 24% ¿ cairá para 16%. A tributação das pequenas empresas está diminuindo de 15% a 5%.

Exportadores de petróleo serão tributados em US$ 192,1 por cada tonelada do óleo exportado, em vez dos atuais US$ 287,3. A população também foi beneficiada. O abatimento do imposto de renda aumentou de 130 mil rublos para 260 mil rublos. Quem perdeu o emprego irá receber 4.900 rublos mensais, em vez dos 2.300 atuais. Todas as empresas passam a ganhar mais facilidades tributárias ao oferecer pacotes sociais aos funcionários e seus familiares ¿ de serviços médicos a educação. Novas e mais agressivas medidas tributárias estão em estudo para serem adotadas até 2010. Entre elas, substituir dólar por rublo para pagamento das exportações russas de petróleo e gás. Até agora, só o Vietnã aceitou.

Mesmo com a crise, de acordo com vice-primeiro ministro, Aleksey Kudrin, em 2009 não faltará dinheiro para as despesas do orçamento anual e aquelas fora dos planos, usando recursos do fundo de reserva. O governo acredita que o preço do petróleo em US$ 50 por barril em 2009 será suficiente para completar o fundo de reserva, cobrindo possíveis buracos do orçamento. Entretanto, a atual dinâmica das cotações não melhora as perspectivas deslumbradas. A inflação, segundo fontes oficiais, deve cair de 13% a 8%. Analistas de mercado consideram as previsões do governo otimistas demais.

Apesar de turbulências e dificuldades, o governo anunciou que não pretende interromper a execução dos programa de modernização do país, o fortalecimento e a diversificação da economia, e o apoio às empresas russas na aquisição de outras ¿ em primeiro lugar, as tecnológicas ¿ no Ocidente, visando às baixas cotações atuais. Recentemente, a Lukoil confirmou a proposta de adquirir 29,95% da espanhola Repsol, oferecendo 29 euros por cada ação, duas vezes mais que sua cotação no momento.

A aproximação com os países da América Latina também faz parte deste projeto, cujos resultados práticos seguramente serão vistos durante a atual visita do presidente Dmitri Medvedev ao Brasil e a outros países do continente.

Problemas existem e não são de fácil solução. Políticas e práticas coerentes e adequadas, sem propostas mirabolantes, são os caminhos para a saída que o mundo procura. Num futuro próximo, veremos os resultados.