Correio Braziliense, n. 21108, 10/03/2021. Economia, p. 6

 

Gangorra política estressa o mercado

Carinne Souza 

10/03/2021

 

 

Pelo segundo dia consecutivo, o mercado financeiro sentiu os abalos políticos de Brasília. Em uma sessão marcada pela tensão e incerteza, o Ibovespa encerrou a terça-feira com alta de 0,65%, com 111.330 pontos. Após o baque de segunda-feira, quando a bolsa sofreu uma queda de quase 4% em razão da anulação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos processos referentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o humor dos investidores variou de acordo com as notícias provenientes do Planalto Central.

Pela manhã, o nervosismo tomou conta do mercado por causa do risco de a Câmara dos Deputados, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, desidratar a PEC Emergencial, excluindo os servidores da Segurança Pública das restrições fiscais impostas ao orçamento no contexto da pandemia. Mas a declaração do deputado Daniel Freitas (PSL-SC), relator da PEC na Câmara, de que o texto da proposta a ser levado ao plenário será "exatamente o que veio do Senado" tranquilizou os investidores e revigorou o pregão. Contribuíram ainda para o dia positivo na Bolsa os resultados no exterior, com ganho de 3,69% no Nasdaq e de 1,42% no S&P 500. Apesar do desempenho de ontem, a bolsa segue amargando perdas. Na semana, o Ibovespa acumula queda de 3,36%, limitando o ganho a 1,18% no mês — em 2021, a bolsa brasileira caiu 6,46%.

Para o economista e sócio da G2W investimentos Ciro Almeida, fatores como a falta de orçamento para este ano, o relaxamento do ajuste fiscal e a volta da polarização, com a possível candidatura do ex-presidente Lula, deixam os investidores inseguros. "O mercado trabalha com previsibilidade, e isso não acontece com o Brasil neste momento. Ainda é preciso ressaltar que o 'liberalismo intervencionista' de Bolsonaro espanta os investidores, que têm visto uma nova face do presidente", ressaltou o especialista.

"A possibilidade de uma eleição polarizada, de novo, desestabiliza, principalmente, a confiança e a previsibilidade do mercado quanto à retomada do crescimento econômico do país. Bolsonaro tem mostrado uma agenda liberal intervencionista que não aponta muita preocupação com o ajuste fiscal, o que pode levá-lo a adotar medidas populistas, podendo prejudicar ainda mais a trajetória brasileira", alertou Almeida. Não faltam números para preocupar os analistas econômicos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caminha para quase 5%, devendo superar o teto previsto, pressionado por uma contínua alta de derivados do petróleo. O mesmo se espera da taxa Selic, que pode sofrer alta com a elevação do risco fiscal e de piora da inflação.

Dólar a R$ 6
No mercado de câmbio, o dólar comercial encerrou o dia a R$ 5,797, com alta de 0,33%. Já o dólar turismo ultrapassou o patamar de R$ 6 e foi negociado a R$ 6,43 em casas de câmbio de São Paulo. Ciro Almeida previu novas altas. "A gente pensa que não, mas quem sofre com isso é a população de maior vulnerabilidade, pois com essa série de aumentos, os produtos consumidos por ela também aumentam, principalmente a cesta básica", ressaltou.

Outros analistas reforçam a ideia de que a política ainda afetará muito os nervos dos investidores, com reflexos no mercado financeiro e na economia em geral. "O mercado está ainda um pouco grogue, fazendo pausa para respirar. Tudo que não se queria para 2022 era a polarização entre Lula e Bolsonaro, com o Centro enfraquecido — mas é o que parece estar se desenhando. Vai haver volatilidade, mas com juros reais perto de zero ou negativos, o custo de oportunidade continua muito pequeno, ainda que a Selic venha a subir a partir da semana que vem, gradualmente como se espera", avaliou Rodrigo Knudsen, gestor da Vitreo. Ele prevê aumento de 0,50 ponto porcentual na taxa básica de juros na reunião do Comitê de Política Monetária. "Ainda há tempo para o governo fazer reformas, mesmo na pandemia", acrescentou.

"Com Lula elegível, o risco é a antecipação do calendário, com medidas eleitoreiras já em 2021, o que seria um problema. Precisamos ver como esse risco eleitoral antecipado fará o governo 'performar' daqui em diante. Não vejo espaço para Lula aparecer muito agora, nem creio que seja de seu interesse", concluiu Knudsen.

Com Agência Estado.

* Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza