Valor econômico, v. 21, n. 5193, 23/02/2021. Política, p. A10

 

Moraes defende responsabilizar redes sociais por ‘fake news’

Carolina Freitas

23/02/2021

 

 

Ministro do STF afirma que enfraquecimento de partidos favorece personalidades com discurso fascista

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes defendeu ontem que empresas que detêm plataformas de redes sociais sejam caracterizadas perante a lei não como companhias de tecnologia, mas como empresas de mídia - a exemplo de jornais, revistas e emissoras de televisão e rádio. Para Moraes, a medida permite que se aplique a legislação ao conteúdo propagado pelas redes sociais e “reequilibra” a responsabilidade na difusão de informações. Hoje, disse o ministro, as plataformas “lavam as mãos sobre a terra de ninguém que elas proporcionam” na internet.

“As plataformas não podem mais ser consideradas apenas como empresas de tecnologia, mas sim como empresas de mídia, com as mesmas responsabilidades das demais - nem mais nem menos”, afirmou Moraes durante palestra em evento on-line sobre desinformação promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). “Eu pergunto: se um jornal tradicional todos os dias ficar divulgando incentivo à ditadura, à tortura, ele não sera responsabilizado? Por que nas redes sociais isso não ocorre?”

Alexandre de Moraes é o relator do inquérito das “fake news” no STF e foi o autor do pedido de prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na semana passada. A ordem de Moraes foi referendada pelo plenário do Supremo e pela Câmara dos Deputados. Silveira segue preso, acusado de atentar contra as instituições democráticas e contra a Lei de Segurança Nacional. Na palestra, o ministro classificou a prisão de Silveira como “um marco no combate ao extremismo antidemocrático”, por parte do STF e da Câmara.

Moraes, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as próximas eleições presidenciais, afirmou que 2022 trará desafios no combate às “fake news”. “Temos um desafio muito grande para ano que vem, para evitar que milícias tentem desacreditar o Estado Democrático de Direito e influenciem nas eleições”, disse. “Só precisamos aplicar a essa terra de ninguém as mesmas regras que existem fora das redes sociais: liberdade com responsabilidade.”

Para o ministro, a situação atual é de “guerrilha contra a democracia e o Estado de Direito”. Moraes afirmou que as investigações que conduz mostram que as “fake news” no Brasil contam com uma estrutura sofisticada de produção e financiamento. “As milícias digitais que atuam nas redes sociais de amadores não têm nada”, disse.

O magistrado associou o enfraquecimento dos partidos políticos no Brasil à ascensão de lideranças com discurso fascista e populista. “Precisaríamos de uma reforma política que desse fortalecimento ao partido político, para que ele expurgasse da possibilidade de alçar voo político quem usa a liberdade de expressão para práticas criminosas”, afirmou Moraes. “Se não fortalecermos a política, a democracia de partidos, vamos permitir que esses franco-atiradores existam, ignorando as regras da democracia e dos partidos políticos.”

Moraes citou o exemplo dos Estados Unidos, onde o enfraquecimento do Partido Republicano levou o grupo a filiar e servir de plataforma ao ex-presidente Donald Trump. Para o ministro, partidos fortes funcionam como um “filtro contra o populismo”. “Com o enfraquecimento dos partidos, as personalidades valem mais que os partidos. Os partidos não conseguem afastar personalidades com discursos fascistas, de ódio. Isso incentiva as pessoas a quererem aparecer com discurso de ódio, ficarem famosas nas redes e depois se filiarem a um partido para ganhar mandato. Isso acaba corroendo o partido.”