Correio Braziliense, n. 21109, 11/03/2021. Política, p. 2/3

 

Largada para a corrida eleitoral

Israel Medeiros 

11/03/2021

 

 

A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, que o tornou elegível novamente, antecipou a corrida pelo Planalto em 2022 e turbinou a polarização entre petistas e bolsonaristas. Em tom de campanha eleitoral, Lula fez, ontem, o primeiro pronunciamento público desde a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgá-lo nos processos da força-tarefa. O petista disparou contra o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato, e o presidente Jair Bolsonaro. Horas depois, em cerimônia no Planalto, o chefe do Executivo, numa mudança de postura, apareceu de máscara, defendeu sua atuação na crise sanitária e se curvou às vacinas.

Lula chegou de máscara ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e só tirou o item de proteção para discursar, destacando que estava bem distante dos presentes. No pronunciamento, afirmou que o país "não tem governo" e criticou a postura de Bolsonaro na pandemia, enfatizando que um presidente da República não é eleito para falar bobagens ou espalhar fake news.

Na avaliação dele, muitas mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas se o chefe do Executivo tivesse feito "o elementar", como a instalação de um comitê de crise para acompanhar a situação nos estados e municípios. A crise no Brasil foi acentuada, segundo destacou, porque Bolsonaro não sabe ser presidente. "A vida inteira ele não foi nada. Ele não foi nem capitão, era tenente. Foi promovido porque se aposentou. Se aposentou porque queria explodir quartel, porque virou um dirigente sindical de soldado, queria aumento de salário", frisou. "Depois disso, não fez mais nada. Foi vereador e depois deputado por 32 anos. E conseguiu passar para a sociedade a ideia de que não era político."

Lula lembrou que, na época da disseminação do H1N1, o governo se mobilizou rapidamente para imunizar a população. "Nós vacinamos 80 milhões de brasileiros em três meses. Este país tem um sistema de saúde que sabe fazer isso. Cadê o Zé Gotinha? Bolsonaro mandou embora porque pensou que era petista. Este país não tem governo, ministro da Saúde ou ministro da Economia. Tem um fanfarrão", ressaltou.

O ex-presidente disse que deve ser vacinado na semana que vem e não se importa com a origem do imunizante. "Vou tomar minha vacina e quero fazer propaganda para o povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina", pregou.

Moro

A Lava-Jato de Curitiba também foi alvo de duras críticas de Lula. O ex-presidente afirmou que foi "vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história". "A quadrilha de procuradores da força-tarefa e o Sergio Moro entenderam que a única forma de me pegar era me levar para a Lava-Jato, porque eu já tinha sido liberado em vários outros processos fora de Curitiba, mas eles tinham como obsessão criar um partido político, porque queriam me incriminar", acusou.

Ele lembrou do dia em que se entregou à Polícia Federal, após ter a prisão decretada, em 2018. "Fui contra minha vontade, porque sabia que estavam prendendo um inocente. Tomei a decisão de me entregar porque não seria correto aparecer na capa de jornais como fugitivo. Tomei a decisão de provar minha inocência dentro da sede da PF, perto do juiz Moro", contou.

O petista ressaltou que continuará lutando para que o ex-juiz seja considerado suspeito, pois "Moro não tem direito de se tornar o maior mentiroso do Brasil e ser considerado herói". "Um deus de barro não dura muito tempo. Eu tenho certeza de que, hoje, ele deve estar sofrendo muito mais do que eu sofri e o Dallagnol também, porque eles sabem que cometeram erros. E eu sabia que não tinha errado", afirmou, numa referência a Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava-Jato na capital paranaense.

Planalto

Horas depois, no Planalto, aconteceu a cena rara. Na sanção de lei que permite a compra de mais vacinas contra a covid-19 (leia mais na página 5), Bolsonaro usou máscara, assim como ministros. Ele fez um discurso a favor dos imunizantes, defendeu sua atuação no combate à pandemia e se referiu aos lockdowns de 2020 — dos quais foi contra — como ações do governo para que hospitais tivessem tempo para se equipar antes da disparada de casos da doença.

Em entrevista à imprensa, pouco depois da cerimônia, porém, Bolsonaro voltou a atacar governadores que adotam medidas mais rígidas para conter o avanço do vírus, referindo-se aos líderes nordestinos como aliados de Lula. Também afirmou que, se Fernando Haddad (PT) tivesse ganhado a eleição de 2018, o Brasil inteiro estaria em lockdown, o que seria "o caos".

Sobre as críticas de um "desgoverno", feitas por Lula, disse que "o governo federal fez sua parte até demais". "Então, não justifica essa crítica do ex-presidente Lula, que, agora, inicia uma campanha. Como não tem nada para mostrar de bom — e essa é uma regra do PT —, a campanha deles é baseada em criticar, mentir e desinformar", rebateu. Ele citou também casos de corrupção ligados ao petista e disse que a marca principal do governo de Lula foi o "desmando e a corrupção, voltado para o populismo".

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Candidatura só mais para frente 

11/03/2021

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o PT "não pode ter medo de polarizar", e, sim, de "não polarizar e ficar esquecido". Segundo ele, o que não pode acontecer é polarização como a vista nas eleições de 2014 com o PSDB, que, em sua avaliação, "radicalizaram com ódio".

Para o petista, a sigla "vai sempre disputar eleições para polarizar, seja com Bolsonaro ou qualquer partido". "Podemos polarizar com quem quer que seja, desde que seja esquerda com direita", afirmou. O ex-presidente destacou que, desde as eleições de 1988, o PT investe na polarização política.

Para as próximas eleições presidenciais, no entanto, Lula disse que não tem certeza dos seus planos. Segundo ele, discutir candidatura é "só mais para frente". "Quando chegar o momento, vamos discutir 2022, se vai ter candidato de uma frente ampla ou do PT", argumentou. Apesar do futuro incerto, ressaltou que, assim que for vacinado, vai voltar a percorrer o Brasil e construir alianças. "Precisamos recuperar relações internacionais para o país crescer, empresários confiarem e retomarmos investimentos."

Lula disse estar "convencido de que aliança política será possível; por isso, temos que ter paciência". "Quando chegar o momento de decidir, veremos se vai ser possível construir alianças fora da esquerda", apontou. "Você pode construir programa que envolva setores conservadores, por exemplo, para vacina e auxílio emergencial. Em 2002, com José Alencar como meu vice, foi a primeira vez que fizemos aliança entre o capital e o trabalho."

Na visão dele, o apoio a favor de Ciro Gomes em 2022 ainda é incerto. "Se Ciro Gomes continuar com grosserias, não vai ter apoio da esquerda nem confiança da direita", comentou. O petista disse não ter certeza sobre o governador de São Paulo, João Doria. "Temos um candidato do PSDB, vamos desenterrar aquele Doria?", questionou.

O ex-comandante do Planalto também rebateu o medo do mercado financeiro em relação à possibilidade de que ele se candidate à Presidência em 2022. Disse que gostaria que o temor de agentes de mercado tivesse fundamento, apontando que eles conviveram com o PT durante os oito anos de seus dois mandatos presidenciais e os seis anos sob o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Em seguida, Lula declarou posição contrária à autonomia do Banco Central, transformada em lei no fim de fevereiro, frisando que é melhor a autarquia estar "na mão do governo do que nas do mercado".

Outro tema levantado foi a venda de ativos da Petrobras. Lula mandou recado a potenciais compradores do portfólio que o governo Bolsonaro tem oferecido ao setor privado: "A gente pode mudar muita coisa", alertou, sugerindo reversão da diretriz de desinvestimentos da companhia se o PT voltasse a dirigir o país.

Segundo o ex-presidente, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, estão "vendendo" o Brasil para o exterior. "Não é possível que o preço do combustível siga cotação internacional, se nós produzimos petróleo aqui", enfatizou. Ele acusou o governo de estar se "desfazendo de tecnologia do pré-sal em nome do deus mercado e do petróleo".

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Inocência, não 

11/03/2021

 

 

Ao chamar a população para “lutar” contra o governo Bolsonaro, Lula pediu desculpas pelo longo discurso — de 1h20 — e afirmou: “Faz cinco anos que não falo”. No entanto, apesar da rejeição que aponta ter passado durante esse tempo, o petista considerou que “a Lava-Jato desapareceu da minha vida; estou satisfeito com o reconhecimento da minha inocência”. Na verdade, o petista não foi inocentado pelo ministro Edson Fachin, do STF. O que o magistrado fez foi decidir pela incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente nos processos da Lava-Jato e determinar a remessa dos autos à Justiça Federal do DF. Os processos vão começar do zero e podem prescrever.

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Polarização turbinada 

Luiz Carlos Azedo 

11/03/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro já tem um adversário para chamar de seu nas eleições de 2022. Até a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não sabia quem seria seu "inimigo principal", porque largava como favorito, e somente o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, nas pesquisas de opinião, aparecia com chances de derrotá-lo. O cenário era de muita fragmentação na oposição e ausência de um político capaz de realmente polarizar a disputa. Agora, não. Lula devolveu o entusiasmo à militância petista e ameaça Bolsonaro. Ontem, antecipou o debate eleitoral e já mira o segundo turno do pleito.

Entretanto, a polarização política é uma aposta boa para Bolsonaro, porque dificulta uma candidatura robusta de centro, como aconteceu nas eleições de 2018. A diferença é que Lula tem muito mais carisma do que o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, o petista derrotado naquele ano. O ex-presidente tem um acervo de realizações econômicas (uma taxa de crescimento de 7%) e sociais (o Bolsa Família) e, na fala de ontem, colocou-se como presidente mais bem-sucedido do que Bolsonaro. Acredita que desmoralizará Moro e procuradores da Lava-Jato, que estão sendo julgados por suspeição na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, pretende Lula mitigar o desgaste dos escândalos do mensalão e da Petrobras, ainda mais agora, que a anulação de suas condenações corrobora o discurso petista de que ele foi injustiçado.

Esquerda

Os petistas já avaliam que houve uma mudança no quadro político. "O centro já estava tendo muita dificuldade antes disso. Você vê que eles não conseguem botar de pé nada, ficou claro desde a derrota do Rodrigo Maia na Câmara. Agora, a polarização de Lula e Bolsonaro está colocada, não é a gente que escolhe", disse o deputado federal Carlos Zaratinni (PT-SP), logo após a anulação das condenações de Lula. Haddad não era capaz de unir a esquerda, confrontado por Ciro Gomes (PDT) e pressionado por Guilherme Boulos (PSol). O novo cenário não fez Ciro Gomes jogar a tolha. O ex-governador do Ceará é a favor da anulação das condenações de Lula, porque restabelece o devido processo legal, mas nem por isso poupa o petista: "Não é que o Lula seja inocente, tem um brasileiro aqui que conhece o Lula de longa data. A ladroeira, a corrupção faziam parte orgânica do modelo de poder do lulopetismo, do governo Lula e Dilma", comentou. No seu pronunciamento, Lula alfinetou seu ex-ministro e disse que Ciro precisa ter mais humildade.

Herdeiro dos votos petistas na capital paulista nas eleições municipais passadas, Boulos era uma ameaça para Haddad, pois tem um perfil muito mais próximo de Lula. Entretanto, com a candidatura do ex-presidente da República, o cenário muda completamente. Sua candidatura à Presidência está sendo volatilizada. É mais jogo para Boulos um acordo com Lula, para disputar o governo de São Paulo. "Lula é uma liderança popular, a maior liderança no campo progressista do Brasil. Isso vai mexer com todas as peças do tabuleiro", avaliaou o político do PSol. É outro que está no radar do ex-presidente, que, ontem, negou ser candidato e disse que vai conversar, ainda, com os aliados sobre a formação de uma frente ampla contra o chefe do Executivo.

Ex-ministro

Bolsonaro também pode ser muito favorecido pela suspeição de Moro, que é a maior ameaça perante o eleitorado que o elegeu em 2018. Mas o ex-ministro da Justiça, que se notabilizou com a Lava-Jato e rompeu com o chefe do Planalto, mantém intacto o seu prestígio de "caçador de corruptos" segundo à opinião pública. Ao contrário de Bolsonaro, cujas relações com as milícias do Rio de Janeiro foram desnudadas no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, envolvendo seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Moro está mergulhado, não se pronuncia.

Eleitoralmente, Moro continua sendo um nome muito competitivo; politicamente, está isolado. Sua alternativa partidária seria o Podemos, mas a cúpula da legenda já andou conversando com o apresentador Luciano Huck. A saída do ex-juiz da disputa de 2022 pode reagrupar o eleitorado conservador em torno de Bolsonaro.

Placar em 2 x 2
Símbolo da Lava-Jato, Sergio Moro, o ex-juiz de Curitiba, foi desancado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, na terça-feira, no julgamento do habeas corpus em que a defesa de Lula pede a nulidade de todos os processos e a suspeição do ex-magistrado, pela Segunda Turma do Supremo. O placar está dois a dois. Falta votar o ministro Nunes Marques, o mais novo integrante da Corte, indicado por Bolsonaro, que pediu vista do processo e interrompeu o julgamento.

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Fragmentação do centro 

11/03/2021

 

 

Os candidatos que disputam os votos do chamado centro democrático também podem ganhar com a desistência do ex-juiz Sergio Moro da corrida eleitoral. A começar pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro por causa da pandemia. O grande trunfo do tucano é a vacina do Butantan, produzida em parceria com os chineses, a CoronaVac. Nesta semana, quanta ironia, a mãe de Bolsonaro tomou a segunda dose do imunizante. Ontem, o próprio Bolsonaro citou a vacinação da mãe, em entrevista coletiva, na qual deu meio cavalo de pau no negacionismo em relação à pandemia.

Doria está muito contingenciado em São Paulo, pois enfrenta o epicentro da pandemia da covid-19 no Brasil. Ele pode polarizar na crise sanitária com Bolsonaro, mas tem dificuldades de relacionamento político com seu próprio partido e, enquanto a pandemia não acabar, não tem como sair do estado. A candidatura do ex-presidente Lula é uma forte ameaça, porque seu adversário eleitoral conhecido é Fernando Haddad. O governador tucano também reagiu à anulação das condenações do petista, batendo forte na polarização política e defendendo a unificação do centro em torno de uma candidatura. A sua, é claro.

Restam Luciano Huck e Henrique Mandetta (DEM). O apresentador precisa decidir o que vai fazer da vida, porque está em vias de fechar um novo contrato com a TV Globo para substituir o apresentador Fausto Silva nas tardes de domingo e precisaria da audácia de um príncipe de Maquiavel para se lançar na política. Huck tem ambição, mas não tem um projeto nacional articulado organicamente, apoio de setores expressivos do empresariado, nem demonstra interesse em construir um partido político que possa ser uma alternativa de poder. O cavalo selado não vai passar desta vez. Como uma candidatura presidencial não se improvisa, o tempo para que se decida está se reduzindo rapidamente.

Mandetta deixou o governo Bolsonaro com grande prestígio popular, por causa de sua atuação como ministro da Saúde, mas não tem pleno respaldo de seu partido, o DEM, para entrar na corrida presidencial. Precisa andar muito pelo país, o que a pandemia dificulta, e consolidar apoios internos para não ficar sem legenda em 2022. A outra opção é deixar a sigla e procurar abrigo em outra em busca de um postulante competitivo. Sua candidatura depende muito mais da Fortuna do que da virtù, ou seja, de Moro e Huck desistam, Doria fique encurralado em São Paulo e o DEM desembarque da canoa governista. (LCA)