O globo, n. 31978, 24/02/2021. Sociedade, p. 12

 

Anvisa dá registro definitivo para vacina da Pfizer

Ana Paula Blower

Daniel Gullino

Paula Ferreira

Rafael Garcia

24/02/2021

 

 

Laboratório é o primeiro ater um imunizante contra a Covid-19 que pode ser aplicado em toda a população no país acima de 16 anos; Cientistas criticam demora do governo federal para concluir negociações de compra

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou ontem ter concedido o registro definitivo para a vacinado laboratório americanoP fizer contra aC ovid-19.Éa primeira vez que aAnvisat oma essa iniciativa parau ma vacina contra o novo coronavírus. A agência já autorizou o uso emergencial de outros dois imunizantes: o da CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e o da AstraZeneca/ Oxford( coma Fio cruz ).

“O imunizante do Laboratório Pfizer/Biontech teve sua segurança, qualidade e eficácia aferidas e atestadas pela equipe técnica de servidores da Anvisa”, diz nota assinada pelo diretor-presidente da agência, Antônio Barra.

O registro definitivo, queéo padrão da agência, permite a aplicação em toda a população e a comercialização do imunizante. Já a autorização emergencial, criada em dezembro pela Anvisa para acelerara análise de vacinas contra a Covid-19, permite a vacinação apenas de um grupo específico. A eficácia global do imunizante, testado em 44 mil voluntários de seis países, entre eles o Brasil, é de 95%.

A vacinada Pfizer poderá ser aplicada em pessoas com 16 anos ou mais, por meio de duas doses com intervalo de 21 dias entre elas. Os imunizantes da Sinovac e da AstraZeneca, já adotados no Brasil, só podem ser aplicados em indivíduos a partir de 18 anos.

Segundo reportagem da CNN Brasil, um novo ofício encaminhado ao Ministério da Saúde pela Pfizer negocia a venda de 100 milhões de doses ao Brasil até o fim de 2021. A primeira leva, que seria entregue até junho, teria 9 milhões de doses, seguida de 35 milhões de unidades em setembro e as demais até dezembro.

Ainda não é certo, porém, se o imunizante estará efetivamente disponível na campanha de vacinação do país, já que o governo federal criticaas condições impostas pela empresa para o uso do produto, como a exigência de isenção de responsabilidade em relação a possíveis efeitos colaterais. Em reunião com senadores na última segunda-feira, o laboratório afirmou que não abrirá mão da cláusula, negociada desde dezembro.

No domingo, o Ministério da Saúde divulgou nota informando que, devido a “limitações jurídicas”, pediu à Casa Civil uma manifestação sobre como lidar coma“falta de flexibilidade” da P fizer. No entanto, documentos mostram que o próprio governo excluiu de uma medida provisória (MP) um trecho que solucionava a questão.

Em uma versão anterior da MP 1026, que foi publicada em janeiro, o texto previa que o governos e responsabilizasse por eventuais eventos adversos causados pela vacina. O trecho foi baseado em um parecer da Consultoria Jurídica da Controladoria Geral da União, que afirmava que a cláusula rela ciona daà responsabilização da União pelos riscos da vacina era de“induvidosa constitucionalidade ”, contrariando a alegação atual do Ministério da Saúde.

A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização, contesta a resistênciado Ministério da Saúde nas negociações com a Pfizer.

—Não entendo por que só o Brasil não aceita as cláusulas do contrato com a Pfizer. Mais de 50 países aceitaram as restrições. Não conheço as cláusulas, mas acho difícil que sejam diferentes —avalia.

FALTA DE COMPETÊNCIA

Pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo avalia que, mesmo se o impasse entre governo e Pfizer for resolvido, o problema do atraso na aquisição de doses não será resolvido facilmente, porque os primeiros lotes de produção da empresa já estão comprometidos com outros países.

— Não fomos competentes para negociar e comprar no momento ideal — critica. — Essa encomenda deveria ter sido feito quando o teste estava na fase 3. Agora já não tem vacina. Não adianta agora a gente pedir 40 milhões de doses para a Pfizer porque ela não tem essas doses.

A Pfizer e a BioNTech apostaram na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), que se baseia em genes sintéticos que podem ser gerados e fabricados em questão de semanas e produzidos em escala mais rapidamente do que as vacinas convencionais. O RNA contido na vacina carrega a informação genética da proteína S, também conhecida como spike, que o vírus usa para invadir as células humanas.

Uma vez dentro do organismo, a vacina desencadeia a produção dessa proteína que atua como antígeno, estimulando o sistema imune a identificar e combater o vírus.

De acordo com Domingues, é natural que o laboratório queira se precaver, já que se trata de um imunizante feito à base de uma nova tecnologia. A epidemiologista, no entanto, assegura que não há motivos para preocupação. O RNA mensageiro, diz, será “o futuro de todas as vacinas”, já que se mostrou um processo relativamente fácil de produção e de eficácia “elevadíssima”.

A fórmula da Pfizer faz parte da Covax Facility, iniciativa liderada pela Organização Mundial da Saúde. No entanto, a necessidade de armazenamento da vacina em refrigeradores ultrafrios a -75°C e o transporte em caixas especiais com gelo seco representam empecilhos logísticos mesmo em países desenvolvidos.

A Pfizer e a BioNTech apresentaram à Food and Drug Administration (FDA), reguladora sanitária dos EUA, estudos que sinalizam a possibilidade do armazenamento das vacinas em temperaturas mais altas, a -25°C. O transporte não dependeria mais da necessidade do gelo seco, e mais doses poderiam ser alocadas em aviões. A medida depende da análise da agência americana.