O Globo, n. 31986, 04/03/2021. Economia, p.16

 

 

 

Um ano em que os brasileiros tiveram que se reinventar

 

 

.Com negócios fechados e perda de empregos, muitos recorreram ao auxílio emergencial, a doações e a acordos de redução de jornada e salário

 

CAROLINA NALIN, RAPHAELA RIBAS E BERNARDO YONESHIGUE*

economia@oglobo.com.br

 

A pandemia ditou os rumos da economia e da vida dos brasileiros em 2020, ano em que o PIB teve a maior retração desde o confisco de Collor, em 1990. Comas regras de distanciamento social—necessárias para conter o avanço da Covid-19 —, lojas fecharam, milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram que se reinventar para se manter no mercado de trabalho.

O surgimento de novos casos da doença perdeu força a partir de setembro, mas uma nova onda atingiu o país, com variantes do vírus mais contagiosas. Apesar da chegada da vacina, o Brasil começa 2021 com incertezas na saúde e na economia. Cinco histórias mostram como os brasileiros atravessaram o ano, buscando se adequar a uma nova realidade. (*Estagiário, sob supervisão de Danielle Nogueira)

 

Gabriela fechou o restaurante

Há quatro anos, a analista de TI Gabriela Barros Martins, de 42 anos, não imaginava que o sonho de abrir seu próprio restaurante ruiria com a pandemia. Mas, em maio, com as restrições de abertura e de circulação de clientes, além do encarecimento dos alimentos, ela não viu outra saída.

Fechar um negócio próprio foi o desfecho de vários empresários do setor de serviços, que teve queda recorde em 2020.

Seu foco agora é retornar ao mercado de TI.

— Fiquei aguardando uma ajuda real que não veio para os pequenos (empresários). É desolador.

 

Bueno perdeu o emprego

Em maio, Caio Bueno, de 34 anos, perdeu R$ 2 mil de seu orçamento junto com seu emprego. Advogado autônomo e cozinheiro profissional, trabalhava como sushiman em uma rede de restaurantes japoneses.

O morador de Vila Isabel vive com a mulher e a sogra e conta que teve de cortar gastos:

— Afetou muito meu consumo. Antes comprava pela internet livros, um jogo eletrônico, alguma roupa. Tivemos que cortar isso.

O consumo das famílias teve queda histórica em 2020, de 5,5%, segundo dados do IBGE.

 

Pacheco ficou sem renda e buscou auxílio

André Pacheco, de 43 anos, e a mulher trabalham em uma barraca de yakissoba em uma feira na Lapa. Com o fechamento por sete meses devido à pandemia, perderam a renda da família.

André tentou receber o auxílio emergencial duas vezes, mas não conseguiu. Apenas a mulher, que tinha cadastro no Bolsa Família, recebeu. O casal teve de cortar todos os gastos não essenciais e passou a contar com doações.

— Em outubro, a feira voltou a funcionar, mas quase não vende.

 

Lopes teve redução de jornada

O professor de Sociologia e Filosofia Nahor Lopes, de 35 anos, recebeu proposta de redução de salário em 75% em abril e teve o acordo prorrogado até dezembro.

Passou a trabalhar como motorista de aplicativo nas horas vagas:

— Chegou uma hora em que as contas começaram a acumular.

Lopes pediu demissão em fevereiro e conseguiu uma nova posição como professor em outro colégio particular. O rendimento, porém, ainda não foi 100%

recuperado.

 

Start-up de Lima cresceu e contratou

Na contramão da crise, empresas de TI aproveitaram a maior demanda para ampliar a base de clientes e o faturamento. Foi o que fez o Escala, start-up que oferece soluções para gestão de escalas de trabalho por meio de algoritmos.

— A meta era crescer 85% em faturamento em 2020, e conseguimos. Captamos três vezes mais clientes do que em 2019 — diz Vinicius Lima, CEO do Escala.

Com a necessidade de isolamento social, a adaptação da rotina das empresas ao home office elevou a procura por processos que facilitassem a gestão de escalas.