O Globo, n.31996 , 14/03/2021. País, p.4

 

Disputa de rejeições

Bernardo Mello

Gustavo Schmitt

Sérgio Roxo

Jussara Soares

Paulo Cappelli

14/03/2021

 

 

Presidenciáveis definem estratégias para reverter impopularidade até 2022

Com patamares elevados de rejeição, segundo pesquisas recentes, possíveis candidatos à Presidência em 2022 — categoria que voltou a incluir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última semana — já estudam estratégias para quebrar resistências e cativar diferentes faixas do eleitorado. No centro, embora líderes partidários mantenham gestos por candidaturas próprias, o alcance eleitoral tanto de Lula quanto do presidente Jair Bolsonaro aumenta a possibilidade de composições ainda em primeiro turno, na avaliação de cientistas políticos.

Para os analistas, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou Lula elegível novamente deve empurrar Bolsonaro a uma aproximação ainda maior com o Centrão, de olho na formação de bases regionais que neutralizem a resistência aseunome, especialmente em classes mais pobres e no Nordeste. Levantamento do Instituto Ipec divulgado no início do mês, antes da anulação das condenações de Lula na Lava Jato, apontou o petista com uma taxa de rejeição que beira metade do eleitorado. Em pronunciamento na quarta-feira, Lula defendeu o pacto feito com setores empresariais e da centro-direita na sua primeira eleição, em 2002, simbolizado pela escolha de José Alencar, do PL, como seu vice. Para o presidente PSD, Gilberto Kassab, que fez parte da gestão Dilma Rousseff (PT) — o partido tem hoje integrantes no governo Bolsonaro —, Lula “usa sua experiência para tentar avançar no centro”.

— A esquerda ganha uma nova dimensão com Lula. Creio que ele e Bolsonaro são fatos consumados em 2022, enquanto outros nomes ainda são avaliados de forma tênue. Mas não acompanho ate sede que o centro ficará “esmagado”. A pandemia, incluindo seu impacto na economia, vai exigir uma candidatura moderada e com capacidade de gestão —afirma Kassab.

Alinhado com as cúpulas de siglas como PP, Republicanos e PL, Bolsonaro terá em Lula uma “sombra” até 2022, na avaliação de um parlamentar influente do Centrão. Para este deputado, é plausível uma “guinada populista” do presidente — em contraponto a medidas defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — para cativar apoios regionais.

MINISTÉRIOS EM JOGO

Por ora, em um gesto para agradar ao mercado, Bolsonaro sugeriu a Guedes o fatiamento da reforma tributária, para que a medida avance com mais rapidez no Congresso. Ao longo do último ano, o presidente veio perdendo apoio de eleitores com maior poder aquisitivo. Os gestos de Bolsonaro de olho no xadrez eleitoral podem incluir ainda uma nova rodada de trocas ministeriais. Em fevereiro, o Republicanos entrou no primeiro escalão coma nomeação de João Roma( BA) no Ministério da Cidadania. O PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira( AL), é cotado para ter uma indicação no Ministério da Saúde, numa possível substituição do ministro Eduardo Pazuello, cuja atu-ação é alvo de críticas. Considerada “um fracasso” por mais de um líder partidário ouvido pelo GLOBO, a atuação de Bolsonaro na pandemia virou foco de atenção. Auxiliares que monitoram suas redes sociais apresentaram um relatório que indicou o clamor pela vacina contra a Covid-19, mesmo entre seus seguidores, superando até a cobrança por geração de emprego. Por isso, aconselharam o presidente a ser firme na defesa da vacinação, em contraponto à sua própria postura nos últimos meses.

Para lideranças partidárias e analistas, aqueda de aprovação do governo neste ano após um período de alta em 2020, coincidindo com a interrupção do pagamento do auxílio emergencial, sugere que a retomada do benefício, em abril, não deves ero bastante para ap lacara rejeição de Bol sonar o — especialmente nas faixas mais populares, onde Lula tem bom desempenho.

— Bolsonaro não deixa de ser um candidato competitivo, mas tem dificuldade para traduzir o auxílio em apoio permanente. E achega dado Lula complica isso ainda mais — afirma o sociólogo Antonio Lavareda, do instituto de pesquisas Ipespe. O cientista político Josué Medeiros, da UFRJ, explica que parte do desafio enfrentado por Bolso naro é o fato de Lula, segundo pesquisas, não herdar votos só da esquerda.

—Há também uma migração para o Lula do eleitor que não votou em ninguém em 2018. Ao mesmo tempo, éo candidato da esquerda que menos precisa de esforço

para se consolidar neste campo. Isso faz com que possa gastar mais tempo disputando o eleitor dos outros —pontua Medeiros. Sem partido há mais de um ano, Bolsonaro reatou conversas por um possível retorno ao PSL, que hoje detém a segunda maior bancada do Congresso e uma das maiores fatias do fundo eleitoral. A legenda já foi tida como um possível destino do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas o movimento esfriou, e hoje ele está mais próximo de migrar para o MDB, presidido pelo deputado Baleia Rossi (SP), seu aliado. Maia tenta articular uma união das siglas de centro em oposição a Bolsonaro.

—Independentemente dos acenos de Lula ou de Bolsonaro, é preciso que os partidos de centro dialoguem entre si. É impossível uma candidatura só, mas se este campo se dividir demais, perde competitividade —argumenta Baleia. O engarrafamento ao centro prejudica articulações do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que lidam ainda com rejeições altas. Outro nome com trânsito neste campo, o exministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, tem rejeição relativamente baixa, mas é considerado desconhecido por quase 40% dos eleitores.

CIRO ISOLADO

D ori atem dito que, com achegada de Lula, o centro“precisa ter juízo” para ir ao segundo turno. O tucano voltou a defender o endurecimento de medidas restritivas para o combate à pandemia, além de sugerira compra e aplicação de vacinas pelos estados, dois de seus principais focos de desavenças com o governo federal. Para um dirigente partidário, com os atritos entre Doria e Bolsonaro, “um puxa o outro para baixo” na corrida por 2022 —eles têm o mesmo patamar de rejeição.

Pelo lado de Ciro, o risco maior hoje é de isolamento. O PSB, partido que estava no radar do pedetista, passou a cogitar uma reaproximação com o PT. Segundo o presidente do PDT, Carlos Lupi, a meta de Ciro é pontuar acima de 15% no início de 2022 para mostrar viabilidade eleitoral.

—Defendo uma aliança no segundo turno com todas as forças que fazem oposição a Bolsonaro. Acho que Ciro deveria estar nisso, mas não posso controlar o temperamento dele —disse Lupi. Com o desgaste provocado pela reviravolta da Lava-Jato, analistas e o mundo político passaram a considerar improvável uma candidatura de Sergio Moro, outro nome que transitaria pelo centro.