Título: Mais gás da Bolívia para o Brasil
Autor: Monteiro, Ricardo Rego; Pacheco, Natalia
Fonte: Jornal do Brasil, 10/01/2009, Economia, p. A17

Governo vai aumentar o volume importado em 4 milhões de metros cúbicos por dia

Ricardo Rego Monteiro e Natalia Pacheco

Apesar de anunciar ontem a pa- ralisação da geração de praticamente todas as usinas termelétricas do país, o governo brasileiro voltou atrás da decisão de reduzir em 11 milhões de metros cúbicos por dia a importação de gás boliviano. Em lugar dos 19 milhões de metros cúbicos por dia, a Petrobras vai importar diariamente 24 milhões de metros cúbicos a partir da próxima semana. A medida foi motivada pela decisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) de manter a operação de duas usinas termelétricas ­ Araucária (PR) e Canoas (RS). As usinas vão permanecer ligadas devido à queda de eletricidade em Santa Catarina, provocada pelas chuvas.

Lobby da indústria

Ontem, depois da reunião do ministro Lobão, o governo informou que o preço do insumo não será alterado. O Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CMSE) ­ órgão governamental responsável por monitorar as operações de energia no país ­ havia aprovado na manhã de ontem o corte de 11 milhões de metros cúbicos por dia por causa do desligamento das termelétricas até abril.

A manutenção dos preços do gás importado da Bolívia contraria o interesse das indústrias brasileiras, que reivindicam a diminuição do custo do insumo como conseqüência da queda de mais de 70% dos preços do petróleo no mercado internacional desde julho. A diminuição das cotações do barril tornou o preço do gás mais caro, no mercado brasileiro, do que o do óleo combustível ­ a alternativa mais poluente e já descartada pelas indústrias do país como opção para gerar energia e alimentar as caldeirarias.

Na prática, argumenta a indústria, o fenômeno inviabiliza economicamente o mercado brasileiro de gás natural. Por isso, um grupo de empresários ligados às mais influentes entidades da indústria deflagrou um lobby junto ao ministro Lobão, com potencial para recolocar o Ministério em rota de colisão com a Petrobras. Além de reivindicar a renegociação da fórmula de reajuste do insumo no contrato com a Bolívia, o grupo pede que, em último caso, a estatal até absorva o impacto das futuras variações de preços.

Intervenção

O grupo -­ que inclui desde as indústrias química e de vidros até secretários estaduais de energia ­ -encaminhou uma carta ao ministro Lobão no fim de dezembro. Nela, por exemplo, as distribuidoras de gás pedem a intervenção do governo na discussão, sob o argumento de que a volatilidade atual dos mercados contribui para dificultar até mesmo a fixação dos preços do insumo para os consumidores finais. O problema é que, de antemão, o Ministério atribui a responsabilidade por tais mudanças à Petrobras. Procurada pelo JB, a diretora de Gás e Energia da estatal, Maria das Graças Foster, afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto.

O pleito ganhou urgência devido à queda dos preços tanto do gás importado da Bolívia quanto do insumo produzido pela Petrobras no Brasil. Ao todo, a estatal importa 30 milhões de metros cúbicos por dia do vizinho andino, por meio do gasoduto Bolívia-Brasil. O volume representa mais da metade do consumo total do país, de 47 milhões de metros cúbicos por dia ­ dois terços do total. Já a produção nacional ­ mais de 80% da Bacia de Campos ­ obedece a uma fórmula de reajuste semelhante, que leva em consideração so valores em reais.

Na carta, as indústrias, os grandes consumidores e os distribuidores de gás natural solicitam uma audiência com Lobão para discutir a fórmula do preço do gás. Ao todo, o grupo inclui representantes da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar); Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás); Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape); Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim); Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro); Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livre (Abrace); e o Fórum de Secretários de Estado para Assuntos de Energia.

A intenção, de acordo com um dos agentes representados no grupo, é não só assegurar critérios isonômicos de precificação do insumo, como também garantir uma competitividade natural entre os combustíveis. A fórmula atual, argumenta, torna a concorrência entre os insumos se dá de forma arbitrária. O grupo deseja, paralelamente, iniciar conversas com a Petrobras ­ que domina toda a cadeia de produção e fornecimento do combustível ­ e com a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A intenção, no entanto, é ter o Ministério como coordedor das discussões. O ideal, argumenta, é manter, no mínimo, os preços do gás natural nos níveis atuais. O importado da Bolívia custa US$ 9/milhão por BTU e o nacional US$ 13/milhão de BTU. O atual preço do gás nacional é o dobro do gás americano ­ hoje em torno de US$ 6/milhão de BTU.

Cálculos da consultoria Gás Energy indicam, no entanto, uma tendência de queda pela metade do valor do insumo boliviano, para US$ 4,5/MMbtu. O fenômeno, que se consumaria provavelmente no reajuste de abril, não minimizaria o problema das indústrias. Afinal, o preço do óleo combustível ­ o concorrente direto do gás natural ­ também segue a tendência de queda de longo prazo do petróleo no mercado internacional. ­

-Por que a Petrobras absorve os reajustes da gasolina e de outros combustíveis e não faz o mesmo com o gás ­ questiona o presidente da Abegás, Armando Laudório, ao ressalvar que, apesar de os preços atuais do insumo não serem os melhores, a idéia é mantê-los, no mínimo, nesse patamar durante o período da crise financeira internacional. ­

-O insumo nacional não é dolarizado, mas reajustado a cada três meses, como o gás boliviano, porque conta com a variável da cesta de óleos no mercado internacional. Só que o preço do nosso gás só aumenta e o preço do barril está em queda ­ critica o diretor da Abar, Zevi Kann.