Valor Econômico, n. 5203, v.21, 09/03/2021. Política, p.A13

 

 

 

Em pronunciamento, Lula deve dar largada à candidatura em 2022

 

Direção da sigla adota tom de cautela ao comentar decisão e cobra ação do STF contra Moro

Por Cristiane Agostine, Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Renan Truffi e Cristian Klein — De São Paulo, Brasília e Rio

 

 

O PT e lideranças de centro-esquerda comemoraram ontem a retomada dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e avaliaram que o petista deve se consolidar como o principal candidato do campo progressista para 2022, com maior viabilidade eleitoral para construir uma frente ampla e disputar contra o presidente Jair Bolsonaro. Petistas analisaram que outras pré-candidaturas dentro do partido e de legendas aliadas, como PCdoB e Psol, se desidratarão e tendem a ser retiradas. A exceção deve ser a pré-candidatura de Ciro Gomes, reforçada ontem pelo PDT e pelo pré-candidato.

 

Lula fará hoje um pronunciamento sobre a retomada de seus direitos políticos, depois da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente pelo ex-juiz Sergio Moro. O discurso é esperado com grande expectativa por dirigentes do partido, que veem o ato como o primeiro da pré-candidatura de Lula à eleição presidencial.

 

A decisão de Fachin pegou o PT de surpresa. O partido não havia recebido qualquer sinal de que o magistrado poderia anular todas as decisões tomadas pela 13ª Vara de Federal em Curitiba (PR) nas ações penais abertas contra Lula na Lava-Jato. Como consequência, o ex-presidente não se enquadra mais na Lei da Ficha Limpa, podendo ser elegível para 2022.

Apesar de comemorar a anulação das condenações de Lula, a direção petista adotou um tom de cautela ao se pronunciar oficialmente sobre a decisão de Fachin por temer que a determinação do magistrado seja alterada.

 

O PT criticou ainda a decisão pelo fim dos processos que tramitam no STF questionando se o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na condução das ações contra o ex-presidente. Petistas afirmaram que o curso natural dos processos era que Moro o ex-juiz Sérgio Moro fosse considerado parcial e, com isso, todas suas decisões também acabariam por serem invalidadas. Neste desfecho, entretanto, a sentença serviu mais para “livrar a cara do Moro”.

 

A presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffman (PR) afirmou que o mais importante da decisão de Fachin é devolver os direitos políticos para o petista, mas cobrou que o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro ainda seja julgada - o processo foi anulado junto com as condenações.

 

“A defesa está analisando todos os efeitos da sentença e obviamente vai tomar as decisões que achar importante no sentido de recorrer de pontos dela, inclusive sobre essa possibilidade [de pedir a suspeição de Moro], mas não tenho ainda isso definido”, disse Gleisi a jornalistas. A petista afirmou que a decisão “não apagará a dor e a injustiça”, mas que o importante é “reestabelecer os direitos políticos” do ex-presidente.

 

Gleisi evitou falar sobre a eleição de 2022, mas disse que Lula nunca deixou o cenário político. “A gente só lamenta que isso tenha demorado cinco anos, que o presidente Lula tenha sido submetido a toda sorte de humilhações e perseguição para só agora ter reconhecido isso, o que estava nas alegações iniciais da defesa.”

 

Ex-ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo (PT) defendeu que os advogados de Lula entrem com um recurso para que o STF avalie a suspeição de Moro em suas decisões. Cardozo, no entanto, elogiou a decisão de Fachin sobre a anulação dos processos contra o petista.

 

A defesa de Lula afirmou que a decisão do ministro do STF não repara os danos causados pelo ex-juiz Sergio Moro ao petista. Os advogados do ex-presidente afirmaram que houve um “conluio” de Moro e da Lava-Jato contra Lula.

 

“A despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados. Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e dos membros da “força tarefa” de Curitiba”, afirmaram os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, em nota.

 

Ex-juiz, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), avaliou a decisão de Fachin como “tecnicamente perfeita” e, a exemplo de José Eduardo Cardozo, defendeu que os advogados de Lula recorram da decisão que declara o fim dos processos de parcialidade contra Moro. “Finalmente teve o reconhecimento de que não pode ter um ‘super juiz’, um juiz que decide tudo”, afirmou o governador.

 

Cotado como pré-candidato à Presidência e uma das principais lideranças da centro-esquerda, Dino afirmou que o jogo eleitoral foi alterado e que a decisão de Fachin fortalece Lula. Para o governador, a candidatura do ex-presidente facilita a construção de uma aliança eleitoral e a ajuda a atrair outras forças políticas além da esquerda. “A presença de Lula ajuda a gente a colocar mais forças políticas para isolar Bolsonaro”, disse.

 

Vice na chapa petista de 2018, Manuela D’Avila destacou que Lula volta a ser elegível. “Essa é uma grande vitória para o nosso país!”

 

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, disse que a mudança no cenário eleitoral “não muda em nada” a disposição do partido em construir uma ampla frente eleitoral, com forças políticas para além da centro-esquerda. Siqueira evitou falar em candidatos para 2022. “Não vamos falar em nomes. Não precisamos de um salvador da pátria. Mas temos que ver quem agrega mais forças sociais, políticas e econômicas.”

 

Já o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, reiterou a pré-candidatura do ex-ministro Ciro Gomes. Lupi disse que uma eventual candidatura de Lula é legítima, mas representa o passado e disputará contra o PDT. Horas antes da decisão de Fachin, em entrevista ao Uol, Ciro atacou o petista, a quem comparou a um caudilho e chefe de máfia e quadrilha.