Valor Econômico, n.5211, 19/03/2021. Política, p.A16

 

Bolsonaro vai ao STF para barrar ‘toque de recolher’

Fabio Murakawa

Isadora Peron

19/03/2021

 

 

Procuradores do Acre e deo Ceará pedem que PGR investigue se presidente cometeu crime contra a saúde pública ao promover aglomerações

O presidente Jair Bolsonaro ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra medidas impostas por governadores para restringir a circulação de pessoas em meio ao momento mais grave da pandemia no Brasil. Ele fez o anúncio na quinta-feira (18), durante a “live” semanal nas redes sociais.

“Bem, entramos com uma ação hoje. Ação direta de inconstitucionalidade (Adi) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), exatamente buscando conter esses abusos. Entre eles, o mais importante, é que a nossa ação foi contra decreto de três governadores”, disse Bolsonaro, sem especificar quais são esses Estados. “Que inclusive, no decreto, o cara bota ali toque de recolher. Isso é estado de defesa, estado de sítio que só uma pessoa pode decretar: eu”, completou, referindo-se à sua condição de presidente da República.

Ele argumentou que, quando um presidente decreta essas medidas de exceção, isso tem que passar pelo crivo do parlamento.

“Agora, um decreto de um governador ou de um prefeito, não interessa quem seja, tem o poder de usurpar da Constituição”, disse. “O Supremo vai decidir. Não vou emitir nenhum juízo aqui.”

Segundo Bolsonaro, a ação foi impetrada pela Advocacia-Geral da União (AGU), após ter passado pelo crivo do ministro da Justiça, André Mendonça.

Governadores vêm apertando nos últimos dias as restrições à circulação de pessoas no momento em que a pandemia atingem seu estágio mais agudo no Brasil. O país caminha para as 3 mil mortes diárias, o sistema hospitalar está colapsando em vários Estados e faltam vacinas.

Bolsonaro, por sua vez, tem aparecido sem máscara e vem criticando abertamente governadores por adotarem medidas para conter o alastramento do vírus. Ele vem insistindo também em incentivar as pessoas a tomarem remédios que a ciência já comprovou serem ineficazes no combate à covid-19.

Ontem, procuradores do Acre e do Ceará pediram para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, investigue Bolsonaro por causar aglomerações durante visitas a esses Estados em meio à escalada da pandemia. Em 24 de fevereiro, Bolsonaro esteve em Rio Branco. Dois dias depois, o presidente desembarcou em Fortaleza.

Nos dois casos, os representantes do Ministério Público Federal (MPF) apontam que o presidente pode ter cometido crime contra a saúde pública e pedem que sejam apuradas as condutas dele e da comitiva presidencial, com as respectivas responsabilizações penais.

Os pedidos de investigação foram enviados a Brasília porque somente o procurador-geral da República tem prerrogativa de investigar e denunciar o presidente da República.

Segundo os procuradores, durante as visitas de Bolsonaro, foram registrados diversos episódios de desrespeito às normas de isolamento social impostas pelos governos locais, que haviam sido editadas para tentar reduz a transmissão do novo coronavírus.

O MPF também aponta que, além de causar aglomerações, o próprio presidente não utilizou máscara de proteção facial nem procurou manter o distanciamento dos apoiadores. A mesma postura teria sido adotada por diversos membros da comitiva.

“As condutas de realizar os eventos e de se recusar ao uso de máscara facial amoldam-se, em tese, à norma incriminadora do artigo 268 do Código Penal: Infração de medida sanitária preventiva. Em tese, o presidente da República e os integrantes de sua comitiva incorreram em crime, atraindo a atribuição para a apuração dos fatos noticiados ao procurador-geral da República”, destacam os procuradores do Ceará que assinam o ofício.

As peças também destacam que as visitas do presidente aconteceram no pior momento da pandemia no país, com a escalada de número de mortes.

Além de Bolsonaro, foram citados nos pedidos outras autoridades, como os ministros Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Tarcísio Gomes (Infraestrutura), Fernando Azevedo (Defesa), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Gilson Machado Neto (Turismo), além do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

O pedido do MPF do Ceará é mais antigo e já está na mesa de Aras. O do Acre ainda está a caminho. Ambos serão analisados pelo PGR. Apesar do apelo de integrantes do MPF, Aras tem adotado cautela diante dos diversos pedidos que chegam para apurar a conduta de Bolsonaro na pandemia.

Até agora, nenhum inquérito formal foi aberto contra o presidente. Em fevereiro, o PGR comunicou ao STF que havia nove apurações preliminares que envolvem o chefe do Executivo.

Pazuello, por sua vez, é alvo de uma investigação no STF para apurar se houve omissão diante da falta de oxigênio em Manaus.