Título: A liberdade real para todos nas Américas
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Nos diálogos ocorridos nos EUA, com representantes do Congresso Nacional, membros do governo ou de entidades, tem sido comum perguntarem quando é que se tornará realidade a Alca. No almoço na embaixada brasileira em Washington, que o embaixador Roberto Abdenur teve a gentileza de me oferecer, comentei que, se os americanos desejarem de fato contribuir para que haja uma integração dos três continentes, então eles precisam começar a considerar não apenas a liberdade de movimento do capital e dos bens e serviços através das fronteiras, sem quaisquer barreiras, mas também do que é mais importante, a liberdade de locomoção dos seres humanos. Pedi para que recordássemos alguns fatos. Ao final do século XIX, os EUA receberem um presente da França de grande valor simbólico, a estátua da Liberdade, que ali, diante de Manhattan, significa o direito dos povos do mundo de virem para este país. Quase cem anos depois, em 1989, ocorreu um fato político de grande importância aplaudido por povos de todo o mundo, a queda do Muro de Berlim. No ano passado, quando o presidente George Bush ponderou ao governo de Israel para não construir o Muro na Cisjordânia, aplaudi a sua ação da tribuna do Senado, mas conclamei-o também a pensar em acabar com o muro que os EUA construíram ao sul de sua fronteira com o México e a América Latina para dificultar o ingresso de latinos e caribenhos no país.

Sou solidário aos americanos pela tragédia ocorrida em 11 de setembro de 2001. Mas acredito que o caminho mais eficiente de conter o terrorismo é construir maior justiça e respeito para todas as pessoas em todo o mundo. Há hoje a preocupação nas universidades e hospitais americanos porque muitas pessoas do Brasil, sobretudo os jovens, estão preferindo a Europa em função da dificuldade de obter vistos de ingresso e pelo tempo que se gasta nos aeroportos americanos para passar pela segurança.

Em visita à Universidade de Harvard, tive a oportunidade de conversar com Roberto Mangabeira Unger, Philippe Van Parijs e Amartya Sen. O professor Mangabeira Unger, que vem dando aulas para cerca de 300 alunos em seu curso sobre O Passado, o Presente e o Futuro da Esquerda, fez uma avaliação bastante crítica da condução da política econômica do presidente Lula, que não teria até agora conseguido ter uma postura mais independente da comunidade de negócios e financeira. Relatou-nos de como, em maio do ano passado, o presidente do PDT, Leonel Brizola havia combinado com ele que em agosto iria apresentá-lo ao partido como a pessoa que iria acompanhar e apoiar todos os candidatos a prefeito e que, em 2006, seria sugerido para ser o candidato à presidência da República. Como Brizola faleceu em junho, isto não pôde ocorrer. Entretanto, após completar o curso, em maio, Roberto volta para o Brasil para então se colocar como pré-candidato da provável coligação PDT-PPS. Disse-me que estava me pedindo o seu primeiro voto.

Disse a ele que ainda em dezembro último, no jantar da bancada dos senadores do PT com o presidente Lula disse a ele, olhando em seus olhos, que diferentemente de 2002, quando fui pré-candidato à presidência da República, eu o apoiarei como candidato em 2006, já que avalio que está fazendo um bom governo. Saudei, entretanto, a disposição de Roberto, pois certamente contribuirá muito com suas idéias.

Fiquei feliz de ver que na bibliografia de seu curso ele incluiu What's Wrong with a Free Lunch? (O que há de errado com um almoço grátis?) em que Philippe Van Parijs debate de maneira didática a proposição de uma renda básica incondicional. Mangabeira Unger perguntou a Philippe se estava fazendo estudos sobre a migração. Philippe disse que esse tem sido um dos temas de seu maior interesse. Roberto respondeu, no que Philippe e eu estamos de pleno acordo, que considera que um dos meios mais eficazes de proporcionar maior igualdade e justiça entre os povos será proporcionar a liberdade total de movimento das pessoas de todos os países.

Fiquei contente de assistir à primeira aula em Harvard que Amartya Sen e Van Parijs estão dando sobre Justiça Social e Diversidade Cultural. Mais ainda quando Amartya disse que naquele curso seria examinada em que medida a proposta da Renda Básica Incondicional contribuiria para que pudéssemos alcançar a meta de maior igualdade entre os homens.

Para alcançarmos plena integração e maior justiça social, do Alasca à Patagônia, serão necessários a total liberdade de movimento das pessoas e, tal como já existe no Alasca, o direito de todos os residentes participarem da riqueza de seu estado através de uma renda distribuída igualmente a todos. Depois disso, o Alasca disparou em desenvolvimento e igualdade. Renda Básica é isso: ser sócio da sua terra.