O Globo, n. 32027, 14/04/2021, Mundo, p. 23

 

Diplomacia ambiental

Daniel Biasetto

Eliane Oliveira

14/04/2021

 

 

A pouco mais de uma semana da cúpula sobre o clima convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, a embaixada americana no Brasil en-viou um recado indireto ao governo Bolsonaro de que o Brasil terá de apresentar resultados concretos para a preservação da Amazônia se quiser manter o apoio de Washington para entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos ricos. Além disso, a embaixada vem abrin-do canais alternativos de inter-locução na área do meio ambiente, e se reuniu com representantes do movimento indígena para discutir a questão.

A mensagem ao presidente Jair Bolsonaro foi transmitida pelo embaixador americano em Brasília, Todd Chapman, durante um debate virtual com empresários, economistas, exministros, advogados e formadores de opinião organizado pelo Grupo Parlatório, no último domingo.

Os EUA declararam apoio à candidatura brasileira à OCDE no início de 2019, na gestão do ex-presidente Donald Trump. Em troca, Bolsonaro concordou em que o Brasil abrisse mão do tratamento diferenciado que recebe no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), na qualidade de país em desenvolvimento.

COBRANÇA DE COMPROMISSO

Coma proximidade da cúpula virtual de 40 chefes de Estado e governo sobre o clima — convocada por Biden para 22 e 23 deste mês, com participação já confirmada de Bolsonaro — Chapman indicou que o Brasil poderá aproveitara oportunidade de mostrar que o combate ao desmatam en toé de fato sua prioridade. Segundo uma fonte que participou do debate, o embaixador disse que “o tema ambiental é importante também para esta agenda da OCDE”.

Segundo a fonte que acompanhou a reunião, o diplomata americano reconheceu que a solução para a Amazônia não depende apenas do governo brasileiro, mas também do setor privado. Chapman se referia à exploração ilegal da floresta.

As reuniões do Grupo Parlatório ocorrem na forma de troca de mensagens pelo WhatsApp.

Cerca de cem pessoas assistiram ao debate virtual. Entre os participantes e convidados, destacam-se o ex-ministro da Fazenda e atual diretor do Banco Safra Joaquim Levy; o ex-ministro da Justiça Sergio Moro; o ex-ministro do Desenvolvimento e hoje presidente do conselho do Lide, Luiz Fernando Furlan; e o ex embaixador do Brasil nos EUA Rubens Barbosa.

Em outra frente de atuação, Chapman se reuniu na segunda-feira com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) depois que a entidade solicitou, no mês passado, a abertura de um “canal direto” de comunicação com os EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira.

O encontro, marcado a princípio apenas coma Apib, contando coma presença de indígenas ligados ao agronegócio e a atividades garimpeiras e mineradoras, indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que gerou desconforto na reunião agendada apenas para discutir medidas de proteção ao meio ambiente e preservação das florestas, apurou O GLOBO.

Chapman iniciou a conversa, toda em português, dizendo que os EUA têm grande preocupação com a questão climática e ressaltou a importância da preservação das florestas nesse contexto. E disse que estava ali para ouvir as demandas dos indígenas sobre a questão. Além de Chapman, Jonathan Pershing —que serviu como enviado especial do Departamento de Estado para mudanças climáticas no governo Obama, e agora assessora o atual ocupante do posto, John Kerry —esteve na reuni-ão, que ocorreu de forma virtual e durou 1h30.

— Foi uma conversa formal e bem protocolar, mas, como o próprio embaixador disse, esse é o primeiro de muitos diá-logos que virão — afirma Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.

Em carta a Biden e a Kerry, a Apib listou ameaças enfrentadas pelos indígenas no gover-no Bolsonaro, como o aumen-to no desmatamento e o apoio a projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas, além do enfraquecimento de órgãos de fiscalização ambiental. Acarta questionava até que ponto o governo brasileiro iria se comprometer com as metas ambientais mais ambiciosas cobradas de Bolsonaro por Biden em carta ao presidente em fevereiro.

Uma nova reunião entre o governo americano e os ocorrerem duas semanas, mas somente questões ligadas à preservação do meio ambiente serão analisadas. Segundo O GLOBO apurou, o governo americano procurou a Funai para informar que iria se reunir coma Apib. O órgão então fez questão de indicar indígenas que defendem outros pontos de vista sobre a exploração da terra. A manobra é vista por entidades indígenas co mouma estratégia do governo para intervir nas conversas com os enviados de Biden.

INDÍGENAS CHAPA BRANCA

Em suas intervenções, o grupo escolhido pela Funai defendeu pautas alinhadas com o governo Bolsonaro, como o empreendedorismo indígena em larga escala, a legalização do garimpo e o combate ao narcotráfico em terras indígenas.

Em nota, a Funai confirmou ter indicado o grupo, segundo ela a pedido da embaixada americana. No final de março, a fundação divulgou em seu site uma carta assinada pelo Grupo de Agricultores e Produtores Indígenas destinada a instituições europeias e tam-bém enviada a Biden, na qual o grupo rebatia denúncias divul-gadas por Sonia Guajajara no documento enviado pela Apib no mesmo dia ao governo americano.

À medida que se aproxima a cúpula convocada por Biden, que pretende retomar a lide-rança dos EUA na área de comb-ate às mudanças climáticas e ser uma preparação para a conferência sobre clima no âmbito da ONU que acontece-rá em novembro em Glasgow, na Escócia, vários setores da sociedade brasileira têm se manifestado e reivindicado um lugar à mesa de debates.

Hoje, governadores dos nove estados da Amazônia Legal se reunirão com os embaixadores dos EUA, Alemanha, Reino Unido e Noruega. Eles defenderão que o mundo desenvolvido pague pelos serviços ambientais prestados pela região, para que os povos ribeirinhos, quilombolas e indíge-nas se beneficiem dos recursos que serão destinados à proteção da floresta.

Embaixador disse que apoio a ingresso na OCDE depende de ação na Amazônia