O Globo, n. 32039, 26/04/2021, País, p. 7

 

Vereadores criam leis para driblar medidas restritivas
Rayanderson Guerra
26/04/2021

 

 

 

Enquanto governadores editam decretos que impõem medidas de distanciamento social para conter o avanço da Covid-19 nos estados, vereadores e prefeitos pelo país estão contestando as determinações na Justiça e criando brechas legais para driblá-las. Uma das estratégias é aprovar leis municipais que tornam setores do comércio essenciais, numa tentativa de mantêlos em funcionamento no momento em que o número de mortos e infectados bate recordes no Brasil.

Vereadores e prefeitos argumentam, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que os municípios têm a prerrogativa de determinar as próprias medidas de contenção da doença. Há um ano, a Corte decidiu que, além do governo federal, estados e municípios têm poder para determinar regras de isolamento, quarentena e de decidir quais serviços são considerados essenciais.

Com base na decisão, prefeitos estão recorrendo à Justiça para fazer valer os decretos municipais e vereadores aprovaram leis para garantir o funcionamento do comércio. A estratégia foi usada, por exemplo, em cidades de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) decretou no início de março que todas as cidades deveriam aderir ao programa Minas Consciente, que estabelece diretrizes para o funcionamento de comércio e circulação da população. Apenas alguns setores foram excluídos e podiam funcionar sem restrições, como supermercados e farmácias. Insatisfeitos, vereadores de Uberlândia, Ipatinga, Timóteo, Coronel Fabriciano e Formiga aprovaram projetos de lei para que academias, igrejas e salões de beleza sejam considerados essenciais. Ainda assim, 13 das 14 regiões de Minas evoluíram da onda roxa para a vermelha.

BRIGA DE LIMINARES

Com as leis sancionadas pelo Executivo, e a flexibilização das medidas, governadores também recorreram aos Tribunais de Justiça e, em alguns casos, conseguiram decisões para fazer valer os decretos estaduais. Em Coronel Fabriciano (MG), o prefeito Marcos Vinicius da Silva Bizarro (PSDB) travou uma disputa de liminares com Zema. O município já conseguiu decisões favoráveis no TJMG e no STF para manter o comércio aberto. A decisão mais recente determinou que o município seguisse a onda roxa.

— Não tem onda roxa, não. Tem o nosso decreto e precisa ser seguido. É nisso que vamos trabalhar e só fecho Coronel Fabriciano se nosso hospital falar ‘fecha aí, prefeito, baixa a bola que não está dando’. Tirando isso, aqui não, governador. Muda para Fabriciano, troca o título de eleitor e vem concorrer aqui nas eleições de 2024 —disse o prefeito numa contestação na internet.

Em São Paulo, Bauru, Piracicaba, Franca e Marília estão entre as cidades com projetos de lei aprovados ou em tramitação para tornar áreas do comércio essenciais. O governador do estado, João Doria (PSDB), também estabeleceu medidas de combate à pandemia que devem ser seguidas por todos os municípios. Assim como em Minas, prefeitos e vereadores trabalham juntos pela aprovação de leis em uma tentativa de sobrepor as decisões de Doria.

No caso das academias e salões de beleza, vereadores também embasam os projetos apoiados no decreto do presidente Jair Bolsonaro, assinado em maio do ano passado, que incluiu os serviços como essenciais.

O advogado Paulo José Castilho, especialista em Direito Constitucional, afirma que a decisão dos ministros do STF abriu caminho para a adoção do critério da municipalização. Ele explica que o ideal seria o Congresso aprovar uma lei que firme quais as competências específicas de cada ente da Federação para evitar questionamentos.

— O que vai predominar é o interesse local, uma vez que são nas cidades em que as autoridades têm critérios técnicos para definir a capacidade do sistema em relação ao número de doentes.

Em decisões recentes, os ministros têm mantido, na maioria dos casos, a predominância do decreto estadual sobre as leis e decretos municipais. Castilho explica que prefeitos não têm provado, de forma técnica, a capacidade do município e a estrutura necessária para garantir queas normas locais prevaleçam.