Título: Confirmação do previsto
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 01/02/2005, Opinião, p. A11

Os jornais dão conta do ¿rombo¿ da Previdência Social. Nada mais que previsível Os jornais dão conta, com manchetes de primeira página, do ''rombo'' da Previdência Social de mais que R$ 32 bilhões em 2004. Nada mais que previsível, posto que com uma pequena diferença: a de que o déficit foi maior ainda que o do ano anterior.

Quando o então ministro da Previdência, o sindicalista Ricardo Berzoini, logo no começo do governo atual, disse que encontrara ''um sistema previdenciário velho, ineficiente, injusto e concentrador que se impunha mudar para que já no Orçamento de 2004 possamos ampliar os investimentos nas áreas que garantam melhoria dos indicadores sociais e propiciem crescimento econômico e geração de emprego'', estava fazendo o contraponto da ''herança maldita'' com o otimismo que os fatos desmentiriam.

A reforma da Previdência era a grande esperança do ministro, para a mudança necessária e salvadora. A propaganda ajudava-o a mostrar uma desigualdade chocante ao comparar igualmente sistemas desiguais. Enfatizava mostrando dados estatísticos de 2002, segundo os quais foram pagos R$ 17 bilhões, para contemplar 19 milhões de beneficiários do INSS, e R$ 39 bilhões, mais do dobro, para pagar benefícios a 3,2 milhões de pessoas, ou seja, seis vezes menos de beneficiários do sistema do setor público. Na TV se fazia uma comparação mais contrastante ainda: os beneficiários do INSS (o setor pobre), em média, receberam 894 reais cada um, ao passo que no setor público (que abriga inclusive os ''marajás'') os benefícios haviam recebido, em média, R$ 12 mil cada. A opinião pública indignou-se com essa desigualdade odienta. A solução exigia corrigir os déficits dos dois sistemas, o dos servidores públicos, civis e militares, e o dos trabalhadores da área privada. A equiparação não seria possível, dado que são sistemas diferentes pelas suas naturezas, um exigindo concurso universal e o outro não, regulado pelo mercado. Um que obriga à dedicação exclusiva e o outro não, desde Getúlio Vargas. Então, oportunamente, a reforma imporia um teto às altas aposentadorias do serviço público, enquanto o ministro aperfeiçoaria o sistema administrado pelo INSS. Entre as medidas saneadoras, o ministro defendia a contribuição dos inativos, fazendo o seguinte raciocínio: se um servidor recebia R$ 2.000,00 na ativa ''não é correto dizer que precise de R$ 2.247, 20 quando optar pela aposentadoria. A diferença de R$ 247,20 representa 11% sobre o seu salário bruto''. Mais claro fica se se disser que o servidor que ganha, bruto, R$ 2 mil, deixará de pagar os 11% com que contribui mensalmente para o INSS, o que elevaria o provento na inatividade para R$ 2,247. Por eqüidade, deveria cobrar-se os mesmos 11% dos aposentados. Ironicamente, o texto do ministro, publicado em livro da editora UnB, era claro quanto à reforma ''não poder atacar direitos adquiridos dos servidores públicos, consagrados pela Constituição, vigiados pelo Poder Judiciário e cumpridos pelo Executivo''. Note-se que só se refere aos servidores públicos, como se os trabalhadores também não tivessem assegurados os ''direitos adquiridos''. Adivinhou. A omissão feita seria pouco depois confirmada pela maioria do Supremo que acompanhou o voto do ministro que disse não haver direito adquirido do trabalhador, na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) relacionada com a cobrança dos 11%, como não houve direito adquirido dos senhores de escravos. Menos contundente, o presidente do PT afirmou que esse direito não é absoluto.

O pior é que a violação de uma cláusula pétrea da Constituição de muito pouco servirá para diminuir o déficit de R$ 17 bilhões, do sistema do INSS, citado pelo ministro, uma vez que ele decorre dos benefícios sem custeio a que a Previdência tem de arcar. Só o Fundo Rural, dele disse o presidente Fernando Henrique ser ''o maior programa de renda mínima do mundo''. Foi criado com o Plano Básico da Previdência Rural, em 1969, com custeio correspondente. Era a primeira vez que os trabalhadores rurais recebiam atenção do Estado. Leis sucessivas ampliaram o benefício, mudando o nome para Fundo Rural, inicialmente concedendo aposentadoria igual a meio salário mínimo, que a Constituinte dobrou para 1 salário mínimo, tudo sem o custeio devido. A despesa, cobre-a a contribuição de empregadores e empregados. O programa do ponto de vista social é magnífico, mas, deveria ser mantido pelo Tesouro.

Do mesmo modo, o sistema do servidor público, a que o ministro Berzoini atribuiu o déficit, em 2002, de R$ 39 bilhões, continuará a existir porque, em 1991, arbitrariamente o governo determinou que ao INSS coubesse o pagamento das aposentadorias dos servidores públicos, que jamais haviam contribuído para a Previdência. Para compensar o caixa do INSS, os servidores passaram a contribuir com 11% do salário bruto, o que jamais equilibraria o sistema previdenciário público, pela simples razão de que também o INSS ficou com a responsabilidade de pagar os inativos, encargo anterior do Tesouro. Em 1991 eram 900 mil, civis e militares, que jamais haviam contribuído para a Previdência.

Aí estão as causas do que se chama ''rombo''. Uma só acabará à proporção que se reduza por morte o estoque inicial de 900 mil inativos. A outra, quando qualquer benefício tenha o custeio correspondente. Do contrário, ao ministro Lando sucederão outros sempre acusados rombo.

Jarbas Passarinho escreve nesta página às terças-feiras, a cada 15 dias