Valor Econômico, n. 5226, 12/04/2021. Brasil, p. A4

 

Estados e capitais elevam gasto com saúde na segunda onda
Marta Watanabe
12/04/2021

 

 

 

Os gastos agregados com saúde nos Estados e nas capitais aumentaram 11% nominais no primeiro bimestre de 2021 contra iguais meses do ano passado, quando ainda não havia impacto da pandemia. O nível de elevação no primeiro bimestre chama a atenção de analistas num período do ano em que a evolução de gastos costuma ser mais lenta, principalmente quando se trata de início de mandato, como é o caso das capitais. A evolução dos gastos na saúde revela pressão intensa, em contraste com a despesa total, que caiu 1,7% no caso das capitais e aumentou 0,5% no total dos Estados, na mesma comparação.

O aumento é creditado à segunda onda da pandemia e a perspectiva, dado o agravamento dos casos de covid-19 em março, é de que os gastos se mantenham em nível elevado pelo menos no decorrer do primeiro quadrimestre. A conta considera as despesas liquidadas de 25 Estados, Distrito Federal e 19 capitais que já disponibilizaram dados sobre saúde nos relatórios fiscais entregues à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). O aumento não foi pontual. Aconteceu em 20 Estados e em 13 das capitais levantados. Os dados são de gastos totais na saúde e incluem pessoal, custeio e investimento. Não foram consideradas as despesas intra-orçamentárias. No ano passado, no agregado de Estados e capitais, os gastos com saúde aumentaram 16% em relação ao ano anterior.

Para o economista Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), o comportamento praticamente estável das despesas como um todo indica que Estados e capitais, no conjunto, estão preocupados com o controle de gastos, ao mesmo tempo em que a imposição de regras de isolamento social também propicia redução de algumas despesas. Há ainda, lembra, o impedimento de reajustes salariais a servidores que vale até o fim deste ano. A restrição foi estabelecida pela Lei Complementar 173/2020, a mesma dos repasses extraordinários de recursos a prefeituras e Estados no ano passado.

É importante também, diz ele, chamar a atenção para o crescimento das despesas com saúde no primeiro bimestre, período em que os gastos historicamente demoram mais para se materializar. “É um período ainda no qual acontece a aprovação do orçamento do ano e as secretarias de Fazenda costumam segurar despesas porque ainda não se sabe como receitas e gastos irão se comportar”, explica. No caso das capitais, este ano, diz ele, houve ainda o efeito da eleição de novos prefeitos. Ou seja, com a mudança de gestão, há reavaliação de prioridades que também costumam tornar mais lentos os gastos.

A pressão grande de gastos existe, diz ele, porque o quadro de pandemia deste ano é diferente da fase mais aguda do ano passado, quando não se via filas para leitos e a ocupação de atendimento nas UTIs não chegou aos 100%. Por enquanto, diz ele, segundo dados do Banco Central (BC), Estados ainda têm, ao menos no agregado, bom volume de recursos em caixa, o que pode, do ponto de vista fiscal, ajuda a aliviar a pressão de gastos neste início de 2021. Mas é difícil saber até quando esse fôlego dura porque dependerá de como a pandemia vai evoluir em termos de duração e intensidade.

Marco Aurelio Cardoso, secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, diz que o aumento nas despesas na saúde refletem gastos com a pandemia e devem se manter pressionados em nível parecido por pelo menos todo o primeiro quadrimestre. As despesas liquidadas do Estado na saúde avançaram 17,2% no primeiro bimestre do ano contra mesmo meses de 2020.

Já no segundo bimestre, em março, lembra ele, quando o número de casos de covid-19 bateu recorde no Estado e a taxa de ocupação dos leitos de UTI adulto ultrapassou 100%, houve aplicação extraordinária de R$ 250 milhões na saúde. Desse valor, R$ 70 milhões vieram da redução na transferências de duodécimos aos demais poderes do Estado e o restante veio do Tesouro gaúcho. Um dos fatores que possibilitaram isso, segundo ele, foi a redução de despesa de pessoal resultante da reforma previdenciária do Estado.

No ano passado, diz Cardoso, foram aplicados na função saúde R$ 7,3 bilhões, 18% a mais que no ano anterior. Para ele, ainda é cedo para prever a evolução dos gastos neste ano. A expectativa é que a melhora dos indicadores da doença no Estado, verificada após a imposição de medidas mais restritivas de isolamento social, se mantenha e o quadro melhore com a vacinação. O orçamento do Estado projeta crescimento nominal de cerca de 6% das receitas em 2021. A arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tem se comportado de forma favorável até o momento, aponta, com alta de 11% nominais no primeiro trimestre do ano em relação a igual período de 2020.

Em Alagoas houve no primeiro bimestre o maior aumento - de 62,7% -- de despesas liquidadas na saúde entre os Estados levantados. George Santoro, secretário da Fazenda alagoana, explica que a alta reflete, além do efeito da pandemia, também o custeio maior em razão da entrega de quatro hospitais durante a pandemia, o que, além de ampliar atendimento geral para a saúde, permitiu quadruplicar a oferta de leitos de UTI do Estado. Planejados antes da crise sanitária, os investimentos, diz ele, devem gerar elevação de custeio na área da saúde de cerca de R$ 200 milhões este ano. A alta de despesas na área é projetada em 30% contra o ano passado, conta.

Pires lembra que as despesas com a pandemia vão além da saúde. “Como o governo federal mostra relutância maior para oferecer suporte neste ano, isso deve ser dado em nível estadual e municipal, o que já acontece por meio de programas de transferência de renda, por exemplo.”

Entre as capitais, Salvador é uma das que oferecem auxílio emergencial de R$ 270 mensais desde junho do ano passado. O benefício vale até junho deste ano. “As prefeituras já têm feito esforços para suprir lacunas de demandas sociais”, diz Giovanna Victer, secretária da Fazenda soteropolitana.

Mas é preciso, diz ela, que o governo federal também cumpra com sua parte nas despesas da pandemia. Para ela, é preciso que haja cobertura dos gastos com saúde via Sistema Únicos de Saúde (SUS) e que sejam implementados em âmbito federal programas de crédito para as empresas e também a renovação do BEm, para manutenção de empregos, que permitiu no ano passado a redução de jornada e salários.

“As prefeituras vão precisar de mais recursos para a saúde porque os orçamentos não estavam preparados para dois anos de pandemia, sendo o segundo ano mais grave que o primeiro. Os municípios não têm cheque especial”, diz Giovanna. Em Salvador, as despesas liquidadas com saúde no primeiro bimestre somaram R$ 223 milhões, com alta de 11,7% contra mesmos meses de 2020. A pandemia, ressalta, trouxe gastos inevitáveis e não deu às prefeituras tempo para o freio de arrumação que se faz no começo de cada gestão.

Francisco Funcia, secretário de Finanças de Diadema e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), diz que a insuficiência de recursos do SUS já existia antes da pandemia. Neste ano, destaca, o problema se agrava. O Orçamento federal de 2021 aprovado no Congresso destina especificamente para a covid-19 apenas R$ 1,1 bilhão de recursos da saúde, diz. Com isso, não haverá transferência fundo a fundo garantida para o combate à pandemia. Em 2020, lembra, foram R$ 23 bilhões para os municípios e R$ 10 bilhões para os Estados.