Título: George Bush recorre a `poder sutil´
Autor: Joseph Nye
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2005, Internacional, p. A11

O primeiro mandato do presidente George Bush foi marcado pelo unilateralismo e pelo poderio militar. Os EUA eram a única superpotência do mundo e os outros tinham que segui-los. O resultado foi um dramático declínio do ¿poder sutil¿ (soft power) ou de atração da América. Na época, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, chegou a dizer que sequer sabia o que era ¿poder sutil¿. Agora, o termo está novamente em voga em Washington. O segundo discurso de posse de Bush se dedicou ao poder da liberdade e à democracia. Tal retórica não é nova entre presidentes americanos. Harry Truman falou sobre defender a liberdade em todos os lugares e Woodrow Wilson sobre promover a democracia. Os neo-conservadores no primeiro mandato de Bush seguiam essa tradição, mas ignoraram o fato de que tanto Wilson quanto Truman também eram construtores de instituições que consultavam outros países. Ao deixar isto de lado, eles reduziram a efetividade de sua mensagem.

O tom nesse começo de segundo mandato é diferente. A secretária de Estado, Condoleezza Rice, disse recentemente em Paris: ¿Uso a palavra `poder¿ no sentido genérico, porque ainda mais importante que o poder militar e econômico é o das idéias, da compaixão, da esperança¿. Bush não só escolheu visitar Bruxelas, a capital da União Européia, na viagem que fez em fevereiro à Europa, mas declarou que ¿o que nós pretendemos alcançar no mundo requer que a América e a Europa permaneçam como parceiros próximos¿. E até Rumsfeld está tentando ser conciliador!

Mas será que a nova abordagem vai funcionar? Em recente viagem à Europa, encontrei tanto confiança quanto ceticismo. Muitas pessoas deram boas-vindas à nova fase, mas se questionaram se é simplesmente um cinismo adocicado. As palavras precisam ser seguidas de ações para convencer.

Um bom lugar para se observar se os atos estão se concretizando é no orçamento. O último corte de gastos arbitrários (que não incluem os com defesa e segurança nacional) foi de quase 1%, eliminando 150 programas domésticos. Ainda, neste clima de rigor fiscal, Bush apela para o aumento das contribuições por parte de organizações internacionais, para que dêem assistência a países comprometidos com progressos na redução da pobreza e na Iniciativa Global contra a Aids.

O novo orçamento também inclui um aumento nos fundos para a diplomacia pública. A destinação de verbas do Departamento de Estado para programas de intercâmbio cultural e de educação, que incluem centros de pesquisa no exterior, bibliotecas e programas de visitantes, recebem um incremento de quase 25%. Como deixa claro o pedido de aprovação do orçamento feito pelo presidente ao Congresso: ¿Raramente a necessidade de um esforço prolongado para assegurar o entendimento estrangeiro de nosso país e nossa sociedade foi tão evidente¿. Isto ocorre depois de um primeiro mandato no qual a diplomacia pública foi tratada como um filho adotivo neglegenciado e o conselho consultivo do Pentágono descreveu a situação como ¿crítica¿.

Mesmo com esses incrementos, há um longo caminho a ser percorrido para melhorar a postura dos EUA. Um recente relatório apartidário feito pelo Conselho de Diplomacia Pública exortou a criação de uma nova Agência para Diplomacia Pública no Departamento de Estado, que fosse divulgada 24h por dia na rádio pública Voz da América. Além disso, sugeriu-se a quadruplicação do orçamento para a área nos próximos cinco anos.

O governo Bush ainda tem muito a fazer para promover idéias, mas as indicações iniciais ao menos sugerem uma mudança em comparação ao negligente primeiro mandato.

Mas não será suficiente para Bush começar o segundo mandato com grandes retóricas sobre valores e aumento nos investimentos em diplomacia pública. A atração de um país ou ¿poder sutil¿ deriva em parte de sua cultura e valores (se são atraentes aos outros), mas também de que as políticas desse país pareçam legítimas, consultivas e inclusiva dos interesses alheios. A menos que as políticas sejam compatíveis com os valores, a discrepância abrirá espaço para acusações de hipocrisia. No mínimo, Bush vai precisar adotar medidas que visem a uma solução política para o Iraque e a progressos no processo de paz entre israelenses e palestinos.

Aqui, também, os sinais iniciais são encorajadores. A participação de 60% dos eleitores no pleito de janeiro e as imagens de iraquianos arriscando suas vidas para votar fizeram com que se tivesse esperança de que talvez um acordo político seja possível no Iraque. As eleições, porém, são um primeiro passo. A insurgência continua, assim como a possibilidade de uma guerra civil. Apesar de tudo, a votação pode ter suavizado o sentimento de ilegitimidade que permeou a política de Bush para o Iraque.

De forma parecida, no que diz respeito ao processo de paz no Oriente Médio, a substituição de Yasser Arafat por Mahmoud Abbas, as eleições palestinas e o encontro entre Abbas e Ariel Sharon sugerem progressos. Em relação às difíceis questões nucleares, como a Coréia do Norte e o Irã, Washington tem buscado consultas multilaterais e coordenação com outros poderes.

Claro, isto ainda deixa pendente outras questões multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional e o Protocolo de Kyoto. Há poucos indícios de que o presidente vá reverter sua rejeição ao tratado, mas será interessante ver até que ponto conseguirá acomodar os esforços do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, para tornar o tema do aquecimento global uma prioridade durante a presidência da Grã-Bretanha no G-8, grupo das oito maiores economias.

Ainda é muito cedo para um veredito das políticas do segundo mandato de Bush. Enquanto ele olha adiante para o veredito da história, parece se dar conta de que o ¿poder rígido e severo¿, sozinho, não vai consolidar sua reputação. Mas o presidente continua refém dos incidentes e acidentes que podem conduzir seus mais bem planejados projetos para fora de curso. Apesar de tudo, a coisa mais impressionante nesta altura de seu segundo mandato é a tardia descoberta da importância da diplomacia e do ¿poder sutil¿.