Título: Os bons amigos das Farc
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 15/03/2005, Outras Opiniões, p. A13

Gerard Chaliand, um ativista de esquerda, jornalista e escritor, depois de atuar nas lutas de descolonização da África (Argélia) e Ásia (Vietnã) e estudar as guerrilhas colombianas em 1968, escreveu Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo, um estudo comparado dos movimentos revolucionários em que analisa porque alguns venceram e outros não. Prefaciado pelo escritor Noam Chomsky, de conhecida simpatia pela esquerda, julga o livro ''uma contribuição importante para a compreensão da história contemporânea''.

Tratando das guerrilhas colombianas, Chaliand se detém na figura do padre colombiano Camilo Torres, sociólogo, nascido em família burguesa, que abandonou a cátedra universitária, e descrente de eleições no sistema democrático representativo optou pela via armada para obter a justiça social. Aderiu, na clandestinidade, ao Exército de Libertação Nacional, ligado a Fidel Castro, e pouco depois foi morto, de armas nas mãos, em combate com uma patrulha militar, em janeiro de 1966. Cito-o ao ver a foto de outro padre, Olivério Medina, também guerrilheiro, ao que parece mais voltado para a atividade menos perigosa que a luta armada e mais sedutora, como a de ser ''embaixador'' das Farc no Brasil.

Tropas de elite do Exército colombiano, treinadas nos Estados Unidos, atacaram, em 1964, uma das muitas ''repúblicas independentes''. Foram bem sucedidas. Reconquistaram o terreno ocupado, mas uma boa parte de guerrilheiros escapou sob a liderança de um camponês, Manuel Marulanda, a quem o Partido Comunista Colombiano nomeará membro do seu Comitê Central. Nascem as Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que hoje têm supostamente mais de 15 mil combatentes e dominam 1/3 do território do país. Marulanda, conhecido pelo apelido de Tiro Fixo. A ele o então presidente Pastrana, antecessor do presidente Uribe, foi encontrar na selva tentando a pacificação. Concedeu-lhe uma ''área liberada'' livre de repressão. A conciliação não prosperou. Após o colapso da União Soviética, de onde lhe chegavam armamentos e munição, as Farc hoje têm-nos com um orçamento maior que o do Exército, devido ao pagamento de resgates de seqüestros (2 mil em 2004) e a contribuição do narcotráfico, a que dão segurança como garantia para o plantio de coca.

Toma-se conhecimento, pela revista Veja desta semana, dos ''Laços Explosivos'' entre as Farc e militantes do PT. Novidade não é. Quando tomou posse no governo do Rio Grande do Sul o sindicalista Olívio Dutra, a imprensa noticiou que em uma janela do Palácio Piratini, sede do governo, uma bandeira de Cuba foi exibida. Também não é nenhuma novidade haver a mídia publicado que o governador dialogou com representante da guerrilha comunista (Teria sido o ''embaixador'' padre Medina?) que participaram do 1º Fórum Social Mundial, em 2001, em Poro Alegre, onde foram saudados como exemplo da opção pela luta armada. Mais tarde, o governo gaúcho teria financiado integrantes das Farc convidados para proferir palestras nos educandários públicos estaduais. Um paradoxo, o da generosidade do governador de um Estado com tantas necessidades de melhor investimento.

Os ''laços'' são antigos, o que não faz estranhar que um sindicalista, dono de chácara próxima de Brasília, tenha servido de ''aparelho'' para reunião de trabalho de petistas com militantes da narcoguerrilha, tendo o cuidado de fazê-lo em mesa debaixo de árvores para precaver-se de possível ''grampo''. No convescote de mais de seis horas comemoradas com forró o padre teria oferecido 5 milhões de dólares para engordar o caixa de petistas, nas eleições de 2002. Conhece tão bem a legislação eleitoral brasileira que o ladino servo do Senhor precatou-se de comprometer os candidatos petistas. Teria usado 300 empresários (o número lembra os 300 ''picaretas'' já não existentes no Congresso) para que recebessem os dinheiros lavados e os transferissem como doações de campanha.

A reportagem é um primor de sagacidade. De um lado descreve possíveis fatos plausíveis, sempre baseada na informação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), fatos que estão catalogados com a classificação de secretos, mas que lhe foram passados sob condição de guardar a fonte pessoal. Admite verossimilhança, mas logo, para evitar confundir-se com verbiagem, acrescenta que não encontrou evidências da oferta financeira do piedoso padre, e que pode não passar de uma bravata. Ressalva o PT, quanto a apoiar as ações das Farc, o que é vigorosamente repudiado pelo secretário de Relações Internacionais do partido, mas revela que o comitê de Brasília, ''integrado e dirigido por militantes do PT'' apóia. Ao que o secretário, em confirmação implícita, diz que existem à revelia do partido. O repórter afirma que a Abin tem uma fita cassete onde está gravada a oferta financeira do padre Medina, mas guarda de assumir a autenticidade da fita, ''porque são célebres os erros do velho SNI, arquivados na Abin, motivados pela paranóia anticomunista''. É, tudo não passa de paranóia de quem leu o discurso de Krushev...