Título: A contenção do exagero
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/03/2005, Internacional, p. A7

Morre George Kennan, o estrategista americano que moldou as relações de Washington com a Moscou soviética

WASHINGTON - Morreu ontem em Nova Jersey, aos 101 anos, George Kennan, o diplomata americano que foi um dos principais arquitetos da política externa dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.

No famoso artigo ''As origens da conduta soviética'' (The Sources of Soviet Conduct), publicado em 1947, na prestigiada revista Foreign Affairs, editada pelo Conselho americano de Relações Exteriores, Kennan - que assinou com o pseudônio ''X'' - formulou a paradigmática ''política da contenção''.

A estratégia teve por base os estudos que o diplomata fez sobre a história da Rússia e da sociedade soviética. Kennan argumentou que o comportamento do Kremlin na Guerra Fria era produto da ideologia comunista e da circunstância. A desconfiança da Rússia com relação ao Ocidente tinha por base uma insegurança enraizada em um país palco de lutas internas e invasões constantes.

Desta forma, para o estrategista, o comunismo seria mais um meio que um fim - uma forma de Moscou manter o controle interno e disseminar a influência externa.

Neste sentido, Kennan formulou duas conclusões. A primeira é a de que os EUA estariam envolvidos em uma disputa de longo prazo, porque os líderes soviéticos - ideologicamente confiantes e seguros da infalível vitória no fim - não tinham pressa de atingir os objetivos estabelecidos, não estavam comprometidos com uma luta pelo fim imediato.

Ao mesmo tempo, Kennan foi messiânico ao prever que as contradições internas iriam levar o sistema soviético à ruína, bastava para isso que as potências ocidentais permanecessem vigilantes, firmes, que ''contivessem'' o expansionismo ideológico e influente de Moscou com todos os meios com a exceção da guerra, com especial atenção para a diplomacia (leia-se geopolítica) e para os serviços de inteligência.

No entanto, em seu livro de memórias, premiado com um Pulitzer, Kennan escreveu que boa parte da linguagem que utilizou em defesa de uma contenção de longo prazo e paciente, mas firme, das tendências expansivas da Rússia soviética ''foi ambígua e levou a interpretações equivocadas''.

O autor, por exemplo, protestou contra a participação militar americana na Coréia e, em especial, no Vietnã, operações cujos mentores utilizavam a ''contenção'' como justificativa. O que Kennan defendeu não foi a contenção por meios ou ameaças militares, mas políticas.

Como parte do mesmo pensamento, o diplomata também foi um dos formuladores do Plano Marshall, que reconstruiu a Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, como forma de fortalecer os aliados europeus frente ao avanço comunista. Teve também um papel fundamental na criação das funções clandestinas da CIA, que mais tarde reconheceu ter sido ''o pior erro'' da sua vida.