Título: Saldo de uma reforma abortada
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 29/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

O objetivo não era ganhar em eficiência, mas formar uma aliança visando à reeleição

Os presidentes contavam com 16 ministros para administrar o país. O presidente Lula achou pouco e nomeou 35. Seqüela do assembleísmo, tão comum ao PT. Compensou alguns correligionários derrotados nas eleições de 2002. Criou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social com dezenas de pessoas credenciadas por seus papéis relevantes na sociedade. Uma assembléia de onde deveriam brotar, por consenso, diretrizes a serem aproveitadas pelo governo em projetos de lei a serem encaminhados ao Congresso. Dois anos depois, os frutos são pecos, e o Conselho tem a marca do assembleísmo. Diferente não terá sido o resultado das dezenas de grupos de trabalho criados, dos quais não se têm informações.

O governo, que não tem maioria absoluta no Congresso, precisa de alianças que formem a base de sustentação parlamentar. Petistas ''históricos'' rebelam-se. Das alianças espúrias, disse pitorescamente o deputado Chico Alencar: ''Algumas alianças políticas são como cruzamento de cavalo com vaca: não dão leite nem puxam carroça''. O presidente Genoino, ao defendê-las (como a do PC do B com o PP) afirmou que as alianças são imprescindíveis, porque ''o PT não tem maioria no Congresso nem na nação''. Lula, em 1989, recusou o voto de Ulysses Guimarães, mas o Lula de 2002 declarou tout court: ''Aliança política não deve ser uma questão de princípio. Você faz de acordo com os interesses do povo e do partido. Se não der certo, a gente desfaz''. Já era a metamorfose do Lula radical das três tentativas anteriores no ''Lula paz e amor'', de 2002.

Preso às alianças com que leiloou o ministério - onde há ministros que raramente despacharam com o presidente - decidiu reformulá-lo. Fácil constatar que o objetivo não era ganhar em eficiência, na substituição de ministros cuja atuação era insatisfatória, por outros de melhor desempenho. O objetivo implícito era formar uma aliança tão ampla quanto possível, visando à reeleição em 2006. A distribuição fisiológica dos 35 lugares mostraram-se insuficientes. Do labirinto do Minotauro não saiu, por faltar-lhe o fio de Ariadne. A indecisão tomou-lhe semanas em que ministros tidos como fracos eram '' fritados'' no noticiário da mídia, ao mesmo tempo em que candidatos a substitui-los mostravam ardorosa disposição ao ''sacrifício'' de servir à pátria. No baralho de Lula destacavam-se um curinga e muitos dois de paus. Um destes era o destacado senador Amir Lando, na pasta da Previdência Social, a quem nenhuma culpa cabe pelo rombo da Previdência. O sucessor que aguarde para conviver com o inevitável déficit. Sua origem está, de um lado, nos benefícios criados sem o devido custeio e noutro lado os efeitos da desastrada medida de 1991, que determinou arbitrariamente ao INSS pagar as aposentadorias e pensões dos novecentos mil servidores públicos civis e dos militares, que jamais haviam contribuído para a Previdência. O primeiro ministro da pasta, no governo atual, Ricardo Berzoini, em 2003 afirmou que a Previdência precisara de R$ 56 bilhões para ''fechar, as suas contas'', no ano anterior, com os benefícios dos dois sistemas previdenciários existentes. Era o tamanho do rombo, cabendo parte dele aos R$ 39 bilhões do setor público, e R$ 17 bilhões ao regime do INSS. Pretendeu corrigir isso com a contribuição dos aposentados e pensionistas, cujo direito assegurado a maioria do Supremo Tribunal não reconheceu. Para tanto, o ministro Lando contribuiu até fazendo um churrasco em sua residência a convidados especiais. Acaba de receber o troco de sua dedicação, a demissão que qualificou de ''um holocausto cruel e inútil''. Inútil sem a menor dúvida é substituir um ministro por outro - que em nada lhe é melhor - se as causas do rombo não forem sanadas.

O senador Amir Lando é intelectual familiarizado com o Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne de la Boétie, que citava em seus pronunciamentos no Senado. Relator da CPI que deu causa ao impeachment do presidente Collor, enterneceu-se até as lágrimas. Sofre, agora, com a exoneração precedida da ''fritura'' que comparou a imolação, com um pouco de exagero. Oportuno é reler La Boétie, que aconselha: ''não espantar-se com o infortúnio nem lamentar-se, mas suportá-lo com resignação e reservar-se para uma ocasião melhor no futuro'' . Ademais sua experiência de vida já lhe ensinou que o poder é '' efêmero, incerto, caprichoso, sujeito a todas as vicissitudes e dependente de circunstâncias elas mesmas pequenas e miseráveis''. Assim o definiu Anatole France, três séculos depois de La Boétie. Cruel verdade que ainda engana os homens que desfrutam do poder e da glória mas a pretendem eterna.