Título: Números que não mentem
Autor: Denise Frossard
Fonte: Jornal do Brasil, 03/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Por extenso, R$ 33.000.000.000,00 é o déficit registrado nas contas do INSS, em 2004. Ao escrever, com todos os zeros, trinta e três bilhões de reais, vemos um número impressionante!

Para que a população tenha uma idéia do que representam estes trinta e três bilhões de reais, fui buscar no site da Caixa Econômica Federal, os números populares dos prêmios distribuídos pela Mega-Sena.

No período compreendido entre o mês de março de 1996 e 26 de janeiro de 2005, o maior prêmio pago pela Caixa somou o valor de R$ 64.905.517,00, ou seja, trinta e três bilhões de reais equivalem a 508 prêmios máximos pagos pelo concurso da Mega-Sena, no período em que o Brasil debate e implementa uma reforma de fôlego na previdência social e os governos esticam o tempo e o número de contribuições necessárias, para se alcançar o direito a aposentadorias e pensões.

O secretário-executivo da Previdência, Helmut Schwarzer, ao falar ao JB, declarou: ''O déficit continua grande por conta da evolução inercial dos benefícios e o aumento real do verificado no valor desses pagamentos que atingiram o maior patamar dos últimos anos''.

Quando se vai às contas da previdência é fácil verificar que, só em parte, o secretário da Previdência tem razão. Há um outro dado, que talvez explique melhor e em extensão maior os tais R$ 33 bilhões de déficit nas contas da previdência. Falo da dívida ativa do INSS, que o banco de dados da autarquia registra em R$ 106 bilhões - e isso, em 2003, porque não temos ainda os dados de 2004, que a progressão dos últimos oito anos antecipa a possibilidade real de serem piores. Basta ver que, só no período curto de 2002 para 2003, a dívida ativa do INSS cresceu R$ 13 bilhões de reais, valor que equivale a 39,39% do déficit de R$ 33 bilhões.

Temos, portanto, em sonegação fiscal no INSS, o equivalente ao valor de três déficits registrados nas contas da previdência. O valor da dívida ativa no ano de 1996, início da reforma da previdência, comparado com o mesmo dado em 2003 e com a evolução percentual do salário mínimo, ''calcanhar de Aquiles'' da previdência e argumento do secretário ministerial para o valor do déficit, mostra uma aberração. No período - 1996/2003 -, a sonegação quadruplicou, quando pulou de R$ 21 bilhões de reais, para R$ 106 bilhões, enquanto o salário mínimo, simplesmente dobrou, saindo R$ 120, 00, para R$ 240, 00.

Está provado que o déficit nas contas da previdência não é um caso simples de ''evolução inercial dos benefícios'', como quer o secretário ministerial. É, antes, um caso crônico de sonegação fiscal permitida, por uma postura ''inercial'' dos agentes públicos responsáveis pela administração das contas da previdência, como de resto, das contas públicas.

E, não só porque não cobram, ou porque cobram mal, mas, principalmente, porque não acreditam no peso insuportável que têm os tributos no Brasil, quando comparados com a renda e com o produto.

Quarenta por cento do resultado do trabalho de cada brasileiro é destinado ao governo, para que ele cumpra funções que, na verdade, não cumpre ou cumpre mal e pela metade. Como os tributos são um peso insuportável, os que podem fogem pela sonegação e os que não podem ou, por honestidade não querem, terminam como vítimas da sanha fiscal dos governos.

Os números da dívida ativa do INSS comprovam que nenhuma reforma estrutural no sistema será suficiente para resolver o déficit da previdência, se o governo não compreender que será pelo alívio na carga tributária e eficiência na fiscalização que conseguirá abrir espaços para a o crescimento da produção e valorização do trabalho, com resultados altamente positivos na arrecadação de impostos. Algum alívio na carga fiscal e mais eficiência na cobrança tornarão mais sadio o ambiente econômico, com redução significativa no desperdício de recursos, que tem hoje o governo, com uma montanha incobrável de processos de execução fiscal.

Há, portanto, uma reforma urgente a se fazer, além da que se pretende e se sabe necessária para melhorar o padrão de segurança do sistema de previdência social: uma reforma na mentalidade dos governos e na maneira como eles entendem o exercício pleno da cidadania.