Correio Braziliense, n.20577, 24/09/2019. Cidades. p.20
O objetivo eram os cofres
Entrevista: Laércio Rosseto
À frente das investigações sobre o assassinato do padre Kazimierz Wojno, 71 anos, vítima de latrocínio no sábado, o delegado-chefe da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), Laércio Rosseto, concedeu entrevista ao CB.Poder ontem. Durante o programa, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília, deu detalhes acerca do andamento do caso e afirmou que aguarda o resultado dos laudos da perícia.
O delegado comentou também sobre a sensação de insegurança da população após o crime, estatísticas da Secretaria de Segurança Pública, a paridade da Polícia Civil e os erros de investigação do crime da 113 Sul.
É possível que exista mais gente envolvida na morte do padre Kazimierz Wojno, conhecido também como padre Casemiro, além dos quatro identificados nas imagens?
Sim. A investigação ainda está em fase inicial, apesar de termos feito bastante coisa. Principalmente no que diz respeito ao levantamento pericial, que é fundamental para que possamos ter provas técnicas. Mas a gente também trabalha com outras pessoas que possam estar envolvidas no que diz respeito à passagem de investigações privilegiadas. Quem cometeu esse bárbaro crime sabia muito bem o que ia fazer nesse dia, onde achar os objetos. Houve informação privilegiada, que foi repassada a esses autores.
O senhor acredita que eles planejavam assassinar o padre também ou pode ter sido nomomento do confronto?
Esse crime pode ser dividido em várias fases. Uma delas demonstra que houve, sim, premeditação e um planejamento. Não são pessoas que chegaram lá sem saber onde procurar e como proceder. Até porque um dos cofres arrombados traz muita segurança. Ele tem 1,5 metro de altura e é todo concretado. De maneira que eles até usaram ferramentas que estavam no local. A maior parte delas pertencia ao padre, que estava lá. Ele tem uma oficina lá. Eles conseguiram ficar cerca de duas horas e meia a três horas na casa. Não houve nenhuma necessidade de matar o padre Casemiro. A não ser que — e aí vem a questão técnica da experiência profissional — ele tivesse reconhecido e pudesse nos dizer quem teria cometido esse crime. Porque ele estava totalmente mobilizado, subjugado, foi rendido cerca de 20 a 30 minutos após o término da missa que havia celebrado. E ele foi surpreendido quando estava a alguns metros da residência dele. São várias equipes que estão trabalhando. A Polícia Civil inteira está imbuída em dar resposta para a sociedade da maneira mais rápida possível.
O que é importante no momento de elucidar um crime como esse?
Quanto mais célere, mais rápida for a ação, melhor é para conseguirmos desvendar e tentar ter toda a dinâmica (do crime). Tanto é que, quando fazemos o deslocamento, a primeira providência é isolar o local do crime e começar a ouvir as primeiras testemunhas que surgem. Porque o local do crime — para o investigador, perito criminal, delegado, para os agentes — conversa com a gente. É uma coisa interessante como você chega ao local do crime e ele começa a conversar conosco. Essa preservação foi essencial. Todos os fragmentos e vestígios foram devidamente preservados.
É possível que o crime tenha sido praticado por alguém que tivesse convívio com o padre ou que conhecesse muito bem a rotina dele?
Com certeza. Tenho uma máxima que (diz) “debaixo do sol, tudo é possível”. Todas as pessoas trazem um certo nível de suspeição durante a investigação policial. Porque não haveria como essas informações serem repassadas da forma que foram.
O que tinha de valor na casa do padre que levou a esse crime? O que eles foram buscar?
Existem ainda muitas obras de arte lá. O ambiente é bem rico nessas obras, pinturas etc. Mas isso, deixamos para um segundo momento, porque eles foram diretamente ao cofre. Havia mais de um cofre, inclusive. Todos foram abertos. Eles saíram de lá com mochilas e não levaram nenhuma dessas obras. Talvez alguma prataria também. Mas o objetivo era subtrair o que estava dentro do cofre. Achamos algumas caixas de relógios caros vazias. Quantificação do numerário ou de joias, não posso dar, porque quem tinha conhecimento do que havia no interior era somente o padre Casemiro. Mas, ao longo da investigação, e a gente conseguindo fazer a prisão desses autores, podemos tentar recuperar o que foi subtraído.
Os moradores da região se sentem muito inseguros. O que pode ser feito para mudar isso?
Vou dar uma visão como delegado de polícia e como cidadão brasiliense. Nasci em Brasília, em 1969. Tenho muito amor e carinho pelo Distrito Federal. O que ocorre com relação a isso? Quando começa a se divulgar — dependendo de alguns casos, é necessário fazer divulgação —, isso gera medo nas pessoas. Temos de tomar cuidado para alguns crimes não ficarem banalizados. Mas, como cidadão, vejo que, às vezes, precisamos alertá-los para tomar cuidado. Como no caso da 408 Norte, em que conseguimos prender os assassinos daquela senhora em menos de 24 horas, que a esfaquearam. Mas as pessoas têm de ficar atentas também e cada um tem de fazer sua parte. Cuidado quando estiver em interior de veículo, não ficar conversando. Vejo muito essa desatenção. Não é que vamos viver sob um alerta o tempo todo nem sobressaltado. Mas é porque temos também de tomar alguns cuidados. Vejo que, nesses momentos de descuido, surgem alguns crimes de oportunidade, aqueles que não eram para acontecer.
A Secretaria de Segurança Pública tem divulgado dados em relação à queda do número de homicídios no DF. O que levou a essa melhora?
O homicídio é um crime sui generis. Fiz um trabalho especial sobre feminicídio, por exemplo. Ele é um crime que, muitas vezes, ocorre dentro de quatro paredes. E a gente não consegue saber. É o casal naquele momento. Tivemos dois casos gravíssimos que foram solucionados bem rápido pela Polícia Civil. Quando temos um fato como esse, latrocínio ou homicídio, são crimes que também vão pela premeditação. Uma coisa é uma briga no bar, em que uma pessoa saca uma arma e mata outra. Outra coisa é quando você precisa matar alguém por encomenda ou, voltando-se para o feminicídio, quando você tem a mulher, sendo subjugada, vitimizada várias vezes, e ele (assassino) a vê como objeto e a acaba matando.
Em relação ao feminicídio, temos discutido muito esse tipo de crime. É difícil prevenir, evitar que isso aconteça? Como prevenir, impedir que um assassino dentro de casa mate a própria mulher?
O primeiro passo que a mulher deve tomar é, nos primeiros sinais de agressividade, de agressões físicas, verbais é denunciar. Vejo que há um desequilíbrio entre as garantias constitucionais e a legislação que dá poder para a polícia investigar e agir. Temos de manter esse equilíbrio. Tudo que fazemos é dentro do Estado democrático de direito. A denúncia é fundamental. Cada delegacia circunscricional tem uma seção especial de atendimento à mulher, fora a delegacia especializada. Temos treinado os policiais e os investigadores para, quando essa vítima for à delegacia, ela ser recebida em um local reservado, bem atendida, bem tratada e darmos a importância que temos de dar. Isso foi uma ruptura de cultura.
O que o senhor tem a dizer para a mulher que vai à delegacia e sente que a denúncia dela não foi recebida com a devida importância?
Se acontecer de ela ter essa sensação, se tiver alguma coisa que não está correndo bem, peça para falar com o delegado de polícia, o chefe da delegacia, estamos sempre com o gabinete aberto para receber essas pessoas. E eu passo a orientação que as medidas protetivas têm evoluído bastante. A gente tem uma coisa inédita — rara no Brasil, mas que temos na Polícia Civil — em que a vítima comparece à delegacia, é ouvida e solicita as medidas protetivas, que podem ser afastamento do lar, alguma medida caso ele tenha uma arma de fogo, para fazermos busca e apreensão, e assim sucessivamente.
Estamos no momento de um julgamento importantíssimo para a cidade pela repercussão que o caso teve e também para a Polícia Civil, porque houve uma confusão muito grande no início da investigação. É o caso da 113 Sul. Como o senhor vê isso, por sua experiência?
Mais da metade de minha vida, tenho dedicado à segurança pública e à comunidade que sirvo por meio da Polícia Civil. Isso é uma situação em que a Polícia Civil procurou fazer tudo o que tinha de fazer no âmbito da Polícia Judiciária. O desfecho de hoje será mais um embate entre acusação e defesa. Todos os elementos que tínhamos, nós carreamos para o que chamamos na Polícia Civil de “obra-prima”, o inquérito policial. É lá que têm de estar todos os elementos. Vislumbro que será mais uma questão entre Ministério Público e a defesa da ré.
E o júri é isso: um debate entre o Ministério Público e os advogados do réu...
No direito, há uma máxima: vence quem convence. Então vai ser muito no poder de argumentação. E, como os jurados são pessoas leigas, eles não precisam sequer fundamentar o voto deles. O juiz, não. Quando é um juiz, no caso em que não vai para o júri, ele tem de fundamentar juridicamente sua convicção. Ali, não. Basta o jurado se convencer pelo cometimento ou não do crime.
Como o senhor vê a Polícia Civil neste ano, ainda sem a paridade? Qual é a sua avaliação sobre o trabalho agora?
Uma coisa precisa ficar muito clara para a população: a Polícia Civil, em nenhum momento, deixou de cumprir suas obrigações para com a sociedade. A questão da recomposição é porque estamos há vários anos sem aumento, e sempre tivemos essa paridade com a Polícia Federal. Porque nascemos todos juntos aqui no DF, quando a capital mudou do Rio de Janeiro para Brasília. A Polícia Civil está sendo reequipada, reestruturada, estamos tendo investimentos na área de investigação, de estrutura. O governador autorizou a abertura de concurso. Temos aí mais de 1,6 mil agentes que serão selecionados, escrivães, também. Os recursos humanos também estão sendo vistos. Isso é muito importante.