O Globo, n. 31557, 31/12/2019, Economia, p. 15

Com desbloqueio do orçamento
Marcello Corrêa
Brasília


A liberação bilionária de recursos a partir dos leilões do petróleo obrigou ministérios e outros órgãos do Executivo federal a correrem contra o tempo para tentar gastar o dinheiro desbloqueado às vésperas do fim do ano. Até novembro, ao menos R$ 37,2 bilhões não haviam sido gastos, segundo dados do Ministério da Economia.

Nos primeiros meses de 2019, o governo chegou a bloquear mais de R$ 30 bilhões do Orçamento, porque a arrecadação de impostos estava abaixo das expectativas. De julho em diante, no entanto, o cenário começou a ser revertido. A confirmação da realização do leilão de petróleo no excedente da chamada cessão onerosa foi o fator decisivo para garantir o desbloqueio total desses valores.

Há duas semanas, ao fazer um balanço do ano, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse que já estava sendo sendo procurado por ministérios para receber dinheiro de volta.

— Nos últimos três meses deste ano, com os leilões de petróleo, colocamos para dentro da nossa receita quase R$ 100 bilhões. (Foram) R$ 70 bilhões da cessão onerosa e mais outros bilhões dos outros leilões de petróleo. Hoje, alguns ministérios já estão nos ligando querendo devolver dinheiro — disse o secretário.

O recurso que não é executado é revertido para reduzir o rombo fiscal no fim do ano, o que reforça a previsão de que o resultado de 2019 ficará bem melhor do que a meta de déficit de R$ 139 bilhões estabelecida pelo governo no ano passado.

Ainda não há uma estimativa oficial sobre quanto retornará ao caixa do governo. Na segunda semana de dezembro, O GLOBO procurou todos os ministérios e órgãos que administram o próprio Orçamento. Dos 31 consultados, 18 responderam. A maioria prevê que todo o valor liberado será empenhado, mas alguns já admitem que isso não deve ocorrer.

Entre os órgãos que admitem que não devem gastar todo o dinheiro disponível, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é a responsável pela maior sobra de recursos. A Aneel havia sido autorizada a gastar R$ 156,8 milhões em 2019, mas precisou se reprogramar quando o Orçamento foi contingenciado no início do ano. Assim, deixará de gastar R$ 27 milhões.

“As áreas administrativas tinham refeito sua programação para se ajustar aos limites orçamentários vigentes até novembro. Dessa forma, aproximadamente R$ 27 milhões serão devolvidos ao Ministério da Economia”, disse a agência, em comunicado.

Repressão de olho na meta

Entre os ministérios, dez responderam. A maior sobra deve ser registrada no Ministério da Agricultura, que previu empenhar cerca de 90% dos recursos liberados para o ano. Como o Orçamento da pasta para 2019 foi de R$ 2,4 bilhões, a sobra poderia chegar a R$ 245 milhões, aproximadamente, caso o empenho fique de fato na casa dos 90%.

Os seguintes ministérios informaram que devem empenhar todo o recurso previsto para o ano: Itamaraty, Saúde, Controladoria-Geral da União, Desenvolvimento Regional, Turismo e Cidadania.

Os ministérios de Educação, Ciência e Tecnologia, Infraestrutura, Meio Ambiente, Defesa e Mulher, da Família e Direitos Humanos não responderam.

Para especialistas, a dificuldade para gastar é um resultado natural do descontingenciamento que ocorreu em novembro, já no fim do ano.

— Isso acontece às vezes em primeiro ano, quando a autoridade da área faz uma repressão de Orçamento maior do que seria o caso, sem querer correr risco de não cumprir uma meta — explica o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, observa que a sobra de recursos não deve se repetir em 2020, principalmente porque o contingenciamento não precisará ser tão grande nos primeiros meses:

— O risco de empoçamento é menor, porque acho que o crescimento não vai frustrar. Então, a receita não vai frustrar. Com isso, o governo não vai ter que contingenciar aquilo tudo.