Correio Braziliense, n. 20697, 22/01/2020. Política, p. 4

Jornalista é alvo do MPF

Renato Souza


O jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, é um dos sete denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Operação Spoofing, que investiga a invasão do celular de autoridades por um grupo de hackers. Ele é acusado de ter ligação com os criminosos virtuais que acessaram conversas trocadas por diversas autoridades, entre as quais o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol, além de outros integrantes da Lava-Jato. O jornalista foi denunciado mesmo sem ter sido investigado durante as diligências. Tampouco foi indiciado pela Polícia Federal no inquérito enviado ao MP. A corporação apontou que não havia indícios da participação dele nas irregularidades e que o jornalista conduziu seu trabalho de “forma ética”. A denúncia será avaliada pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, que decidirá se vai aceitá-la. O relatório já está no gabinete do magistrado.

Os outros seis indiciados são hackers, entre os quais Walter Delgatti Neto e Luiz Henrique Molição (leia Entenda o caso). De acordo com o MPF, “ficou comprovado que ele (Glenn) auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões”. A acusação é assinada pelo procurador da República Wellington Divino de Oliveira, o mesmo que apresentou denúncia contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por críticas a Moro — a ação foi rejeitada pela Justiça posteriormente.

Uma liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu que Glenn fosse investigado, em decorrência do sigilo da fonte jornalística, previsto no artigo 220 da Constituição. No entanto, de acordo com o MPF, num MacBook apreendido na casa de Walter Delgatti, há um diálogo entre Luiz Henrique Molição e o jornalista. “A conversa foi realizada logo após a divulgação, pela imprensa, da invasão sofrida pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Nesse momento, Molição deixa claro que as invasões e o monitoramento das comunicações telefônicas ainda eram realizadas e pede orientações ao jornalista sobre a possibilidade de ‘baixar’ o conteúdo de contas do Telegram de outras pessoas antes da publicação das matérias pelo site The Intercept”, descreveu o MPF.

Em mensagem publicada no Twitter, Glenn disse que o procurador atua politicamente. “Obviamente, ele está usado seu cargo para atacar inimigos políticos. A própria PF fez uma investigação completa e concluiu, com clareza, que eu não cometi nenhum crime”, frisou. “A PF concluiu que sempre fiz meu trabalho com seriedade e profissionalismo. É um ataque contra a imprensa livre, mas também contra o STF e a PF.”

Glenn é autor de uma série de reportagens que coloca em xeque a imparcialidade do então juiz e de integrantes do MP durante a condução de processos da Lava-Jato, como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Reações

O advogado Conrado Gontijo, doutor em direito penal, criticou o fato de a denúncia ter sido apresentada mesmo sem indiciamento por parte da polícia. Ele entende que, a depender de outros fatores, o ato pode representar abuso de autoridade. “Essa denúncia é absolutamente desprovida de justa causa. Se o procurador tiver consciência de que está oferecendo denúncia contra uma pessoa inocente, pode ser enquadrado no artigo 30 da Lei do Abuso de Autoridade, que pune iniciar persecução penal contra quem se sabe inocente. Mas eu acredito que o Ministério Público não tenha feito isso”, frisou.

A OAB afirmou, em nota, que a denúncia não descreve prática de crime. “A participação em qualquer delito exige instigação ou colaboração efetiva para sua prática, e nenhuma das mensagens do jornalista incluídas no expediente do MPF indica qualquer desses comportamentos”, destacou. Já a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) alertou para “o perigo das restrições à liberdade de imprensa, principalmente quando elas partem de autoridades constituídas”.

Frase

“A denúncia do MPF é uma forma de intimidação ao jornalista e uma ameaça à atividade jornalística”

Trecho da nota da Fenaj

“A denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald é uma ameaça à liberdade de imprensa. Jornalismo não é crime. Sem jornalismo livre não há democracia”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara

“Quem denunciou foi a Justiça, você não acredita na Justiça?”

Jair Bolsonaro, presidente da República, ao ser questionado sobre o assunto. Depois, se corrigiu, dizendo “é MP, MP”