O Estado de S. Paulo, n. 46919, 03/04/2022. Política, p. A11

Parlamentares cobram apuração sobre licitação com suspeita de sobre preço

Julia Affonso
Breno Pires
André Shalders


Políticos e especialistas da área de educação cobraram a investigação sobre uma licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que prevê o pagamento de até R$ 732 milhões a mais por ônibus rurais escolares. O pregão, marcado para a próxima terçafeira, é para a aquisição de 3.850 veículos. O caso foi revelado ontem pelo Estadão.

Para o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre combate à corrupção "começa a ruir". "Começa a ruir o discurso de Bolsonaro de que no governo dele não tem corrupção. E a corrupção aparece onde mais deveria estar blindada. Já foi na compra de vacina, e agora está na Educação", disse o parlamentar.

O alerta de sobrepreço partiu de instâncias de controle e da própria área técnica do FNDE. Segundo documentos obtidos pelo Estadão, o governo aceitou pagar até R$ 480 mil por um ônibus que, de acordo com o setor técnico, deveria custar, no máximo, R$ 270,6 mil. Os recursos vão sair de um programa destinado a atender crianças que vivem em áreas rurais.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou pedidos no Ministério Público Federal do Distrito Federal e no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União para suspender a licitação e abrir um procedimento para apurar a responsabilidade do presidente do FNDE, Marcelo Ponte, e do diretor da entidade, Garigham Amarante. No documento apresentado, Ponte e Amarante são o foco por terem "ignorado os alertas das áreas técnicas e terem determinado o prosseguimento do pregão".

A presidente executiva da organização Todos pela Educação, Priscila Cruz, cobrou investigação sobre as suspeitas de sobrepreço. "Pior que não respeitar atributos da eficiência, é a corrupção. A educação já foi gravemente afetada pela pandemia e não pode ser golpeada por desvios e corrupção", disse Priscila.

INDICAÇÃO. Vinculado ao MEC, o FNDE concentra a maior fatia de recursos destinados a investimentos em educação. Ponte chegou à presidência do fundo por indicação do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. O processo da concorrência a que o Estadão teve acesso mostra que o FNDE atropelou as orientações dos órgãos de controle e da própria área técnica, que apontaram risco de sobrepreço nos valores dos ônibus.

O presidente da Comissão da Educação no Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), disse que "todas as denúncias de irregularidades nos repasses de recursos do MEC e do FNDE" serão investigadas a fundo, "mesmo em ano eleitoral".

Em uma rede social, a précandidata à Presidência, senadora Simone Tebet (MDBMS), classificou o caso como "onibaço" e citou o lobby de pastores no MEC. Na segunda-feira passada, o ministro Milton Ribeiro deixou o cargo após o Estadão revelar um esquema de cobrança de propina na pasta operado por dois pastores em troca de liberação de dinheiro para municípios.

Procurados, Ciro Nogueira e a CGU não se manifestaram. O FNDE disse, em nota, que o pregão "atendeu a todas as recomendações da CGU".

Aumento

R$ 480 mil

é o valor, por ônibus, que o governo aceitou pagar

R$ 270,6 mil

é o valor que cada veículo deveria custar