Título: A(i) César, o que é de César (?)
Autor: Sergio Abramoff*
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Outras Opiniões, p. A19

Precisamos procurar vencer nosso medo, desânimo e inércia, e buscarmos pessoas íntegras para motivá-las a entrar para a vida política e mudar as regras sujas atuais

Muito, mas muito triste mesmo, o preço pago pela população mais carente de nossa sociedade pelos descalabros cometidos contra a saúde pública. Com ou sem segundas intenções do governo federal em expor ao desgaste a imagem de um potencial candidato à Presidência da República, nada justifica o sofrimento e humilhações de pessoas que confiaram seu voto a um representante que se mostrou incompetente na garantia de suas mais primárias necessidades.

Sinto-me tranqüilo nesta análise e crítica, pois fui eleitor de Cesar Maia em todas as disputas em que concorreu. Parecia-me uma pessoa consistente ao citar fatos e números complexos da área administrativa, parecia privilegiar a cultura, e coroava os seus dois últimos anos de mandato com obras significativas e preparatórias para a próxima disputa. Embora não fosse tão eficaz no combate à violência, pelo menos não parecia fazer conchavos com o crime organizado, do tipo não desce que eu não subo.

E de repente todo este descalabro: pessoas com braços e pernas quebradas, esperando dois meses para serem operadas; pronto-socorros sem as mínimas condições de atendimento; hospitais com centro cirúrgicos desativados; falta de medicamentos; uma calamidade em tudo semelhante ao cenário de uma guerra, com os desafetos a trocarem farpas de mútuas acusações.

Será que neste e em tantos outros casos nossos governantes, na calada da noite, não se sentem envergonhados de suas posturas? Adoçam nossos ouvidos com um mega tapume da ''cidade da música'', agora já adiada para 2008; prometem trens-bala e metrôs em épocas eleitorais, para logo depois engavetarem os projetos com as desculpas mais esfarrapadas; e nos deixam amargando um princípio de dia com 60 minutos de trânsito da Barra ao Leblon, e um final de dia tenso com a possibilidade de novo tiroteio na Rocinha. Será cinismo, incompetência, transtorno de personalidade ou um pouco de cada coisa, o que os coloca (e conseqüentemente a nós todos) em situações tão fragilizadas e absurdas?

Até quando nós, cidadãos-vítima do dia-a-dia, vamos suportar calados toda a insensibilidade, toda a corrupção institucional que grassa em qualquer direção a que lancemos um olhar de esperança por dias melhores? Até quando vamos assistir impávidos ao grito de cidadania do Dr. Sergio Côrtes, que ao denunciar esquemas de subversão no Instituto de Traumato-Ortopedia, manteve-se firme mesmo quando uma bala de fuzil arranhou-lhe a testa? Quantos de vocês não teriam fraquejado, pego suas filhas pequenas, e dito o dito pelo não dito? E quantos de nós lembraríamos dele daqui a três meses, caso esta bala viajasse dois centímetros para a direita?

Colar adesivos de basta em janelas e automóveis é muito pouco. Precisamos encontrar um meio mais vigoroso, indutor de mudanças práticas, de demonstrar nossa vergonha pelo caos em que fomos capazes de deixar transformarem nossa cidade maravilhosa. Um meio que, de tão generalizado, não exponha nossas cabeças a fuzis. Na saúde poderíamos começar, como médicos, a prestar de duas a quatro horas de serviços voluntários semanais, no estilo de médicos sem fronteiras, e fazer uma triagem de ambulatório (SPA) em torno das tendas hospitalares já armadas. Como moradores de São Conrado e Barra da Tijuca, pensei em colocar uma fita preta nas antenas de nossos carros (mais visíveis do que plásticos na janela), que só seriam retiradas com a solução definitiva dos problemas de trânsito que infernizam nossas vidas. Acredito que haja alternativas melhores, e penso que deveríamos fazer um fórum para colhermos idéias mais vigorosas.

Como cidadãos-vítima, precisamos procurar vencer nosso medo, desânimo e inércia, e buscarmos pessoas íntegras para motivá-las a entrar para a vida política e mudar as regras sujas atuais. Precisamos cobrar respostas objetivas do ministro da Justiça, propostas como as do Grito do Rio, levantadas pela Firjan, contra a violência. Precisamos, enfim, nos dar conta de que somos capazes de muito mais, e lutar com bravura por mudanças.

*Sergio Abramoff escreve aos sábados nesta página