O Globo, n.31.625, 08/03/2020. País. p.07

Secretaria de Assuntos Estratégicos se afasta do seu papel original
Dimitrius Dantas

 

Recriada em 2008 com o objetivo de auxiliar o presidente da República na formulação de políticas de longo prazo, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), sob o governo de Jair Bolsonaro, tem se afastado cada vez mais do propósito original. Comandada pelo general Maynard Santa Rosa durante boa parte de 2019 e agora sob a liderança de um vice-almirante da Marinha, Flávio Augusto Viana Rocha, o órgão reduziu o número de publicações, estudos e eventos realizados.

Na mudança mais recente, a secretaria incorporou atribuições menos estratégicas que antes estavam a cargo da Assessoria Especial da Presidência da República, como a organização de viagens internacionais do presidente e até a preparação da correspondência dele com autoridades estrangeiras. Essas duas atribuições eram de Filipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência que, agora, passou a responder ao vice-almirante. A transformação na secretaria e a indicação de Viana Rocha são vistas como um sinal do fortalecimento dos militares no Palácio

do Planalto e, consequentemente, do enfraquecimento dos “olavistas”, como são chamados os apoiadores do escritor Olavo de Carvalho, espécie de guru de Bolsonaro. Martins, ex-aluno de Olavo, viu suas tarefas serem esvaziadas.

Um dos estrategistas da campanha de Bolsonaro em 2018, o cientista político Antonio Flavio Testa avalia, no entanto, que essas novas atribuições podem estar inseridas em um contexto de longo prazo.

—A missão de preparar e planejar viagens internacionais pode ter um vetor estratégico. Historicamente, a SAE sempre teve foco no longo prazo, o que não a impede de atuar em questões cujos desdobramentos terão, lá na frente, consequências importantes —afirma Testa.

No final do ano, a Secretaria-Geral da Presidência, a qual a SAE estava subordinada antes da última mudança, publicou um relatório sobre o trabalho realizado pela pasta. No capítulo reservado à secretaria, o documento destaca três eventos realizados pelo órgão em 2019 — o primeiro deles sobre nióbio (metal usado para reforçar ligas de aço e um dos assuntos preferidos do presidente desde quando era deputado).

Além do evento sobre o nióbio, a Secretaria-Geral destacou outros dois: sobre economia espacial e outro de energia nuclear.

CRISE NO ANO PASSADO

Durante o ano de 2019, integrantes da SAE afirmavam que boa parte dos trabalhos do órgão eram engavetados por Jorge Oliveira, secretário-geral e conselheiro de Bolsonaro. O GLOBO revelou na época que Oliveira apresentou um dossiê com falhas na gestão e produtividade do órgão. Santa Rosa não concordou e deixou o cargo, assim como alguns de seus principais auxiliares. Entre os projetos barrados estava um que previa a introdução de um processo de avaliação do impacto ambiental para as decisões tomadas pelo governo.

A proposta visava instituir um “processo formal, sistemático e abrangente de avaliar os impactos ambientais de políticas, planos, programas, projetos e suas alternativas”, segundo a minuta. Outras propostas também não foram autorizadas pelo crivo da Secretaria-Geral, como a inclusão da agenda estratégica no Plano Plurianual do Ministério da Economia. De acordo com Santa Rosa, boa parte dos documentos produzidos no órgão foi classificada como sigilosa. O general destaca que cabe à SAE o planejamento estratégico de médio e longo prazos e a agenda de assuntos estratégicos conjunturais.

— A SAE é como uma bússola que mostra o rumo. Sem que haja planejamento, o setor público fica ao sabor dos interesses dominantes. Para não haver desvio de foco, os assuntos da rotina administrativa não me parecem consentâneos (coerentes) com a destinação da SAE —afirmou. As publicações da SAE que vieram a público em 2019 também apontam para um caminho oposto ao que era seguido até 2018. No último ano do governo de Michel Temer (MDB), foram publicados três relatórios de conjuntura:

“Custos Econômicos da Criminalidade no Brasil”, “Abertura Comercial para o Desenvolvimento Econômico” e “Desafios ao Aumento do Investimento Privado em Infraestrutura no Brasil”. Historicamente, o órgão também teve participação central na formulação da Estratégia Nacional de Defesa, documento que aponta as prioridades das Forças Armadas por uma década ou mais. Durante a gestão de Mangabeira Unger no órgão (durante o governo Lula), a SAE também coordenou a formulação do Plano Amazônia Sustentável. No ano passado, contudo, a SAE publicou apenas um:

“Navegação de Cabotagem no Brasil: a produtividade como visão estratégica para o setor”. Em 2018, a SAE havia passado a publicar a revista “Diálogos Estratégicos” e outro documento, batizado “Breve Notas de Políticas Públicas”. Ambos não tiveram nenhuma publicação em 2019. Procurada, a Secretaria Geral da Presidência afirmou que as novas funções têm como propósito complementar as atribuições originais da pasta, voltadas predominantemente para o planejamento de longo prazo.

“Dessa forma, as competências de curto prazo da Assessoria Internacional passarão a ser guiadas pelo planejamento estratégico de médio e longo prazo, o qual, por sua vez, se revigorará pela injeção de ideias e demandas do dia a dia da agenda internacional”, diz a nota divulgada pela SecretariaGeral da Presidência.