O Globo, n.31.624, 07/03/2020. Mundo. p.38

Jantar em mar-a-lago

Paola de Orte 

 

Jair Bolsonaro e Donald Trump se encontram hoje pela quarta vez em menos de um ano para um jantar no resort de Mar-a-Lago, ou "Casa Branca de Inverno", como o presidente americano apelidou o local, do qual é dono. O resort fica em Palm Beach, na Flórida, e é o mesmo cenário onde Trump já recebeu os líderes chinês, Xi Jinping, e japonês, Shinzo Abe. No jantar de hoje, os dois discutirão "oportunidades para construir um mundo mais próspero, seguro e democrático", segundo a Casa Branca. O governo americano afirma que os temas tratados serão democracia na Venezuela, paz no Oriente Médio, políticas de comércio e investimento em infraestrutura. "O presidente usará esta reunião como uma oportunidade para agradecer ao Brasil por sua aliança forte com os Estados Unidos", diz a nota da Casa Branca.

DIFICULDADES EM NOVA YORK

O jantar foi confirmado na sexta pela manhã por Trump. Apesar da confirmação apenas um dia antes, a negociação para o encontro já vinha sendo feita pelo Itamaraty há mais tempo, porém o governo brasileiro não confirmara a reunião por receio de mudanças na agenda do presidente americano.

Uma fonte do Departamento de Estado ouvida pelo GLOBO havia afirmado, antes da confirmação, que é normal esse tipo de anúncio só acontecer em cima da hora; ao menos desde que Trump assumiu o governo. — Nós vamos jantar em Mar-a-Lago. Ele queria jantar na Flórida, se fosse possível, o presidente do Brasil, então vamos fazer isso — disse Trump, na Casa Branca. Ontem, ao comentar a viagem, o presidente brasileiro disse que o Brasil deve "se juntar" com "países melhores do que nós".

— Eu vejo que, depois de longos anos, décadas, de os governos brasileiros terem uma certa desconfiança do governo americano, essa desconfiança acabou, e queremos nos unir, nos aproximar cada vez mais. E devemos nos juntar com todos os países, mas em especial com os países melhores do que nós. A primeira visita de Bolsonaro aos EUA foi a Washington, em março do ano passado, quando se encontrou com Trump na Casa Branca. A visita resultou no compromisso do governo americano em apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), na designação do Brasil como Aliado Preferencial extra-Otan dos EUA, além do aumento das exportações de trigo e de etanol do país para o Brasil. No mesmo encontro, foi assinado o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, para viabilizar a utilização da Base de Alcântara no Maranhão. O segundo encontro entre os dois líderes foi uma reunião bilateral às margens do G-20, no Japão, e o terceiro aconteceu durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, quando Bolsonaro disse ao presidente americano: "I love you". Bolsonaro também esteve em Dallas em maio do ano passado, quando não se reuniu com Trump. O encontro foi para receber o prêmio Personalidade do Ano da Câmara de Comércio Brasil-EUA. A festa de entrega foi em Nova York, mas o presidente brasileiro desistiu de participar depois de protestos de grupos que se opunham a que o Museu de História Natural sediasse o evento com o presidente do Brasil. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, também comprou a briga com Bolsonaro, afirmando "seu ódio não é bem-vindo aqui". Trump e Bolsonaro têm em comum a dificuldade na relação com Nova York: nas eleições de 2016, o republicano recebeu só 10% dos votos em Manhattan, onde construiu a carreira. A Flórida acabou se tornando o estado perfeito para o encontro entre os dois líderes. Trump ganhou a maioria dos votos no estado, desempenho essencial para sua eleição em 2016. Bolsonaro também faz sucesso entre o eleitorado local: os brasileiros que foram à seção eleitoral coordenada em Miami para votar para presidente em 2018 o apoiaram com mais de 90% dos votos válidos. Bolsonaro se encontrará com a comunidade brasileira durante a viagem.

VISITA AO COMANDO SUL

Amanhã,o presidente faz uma visita ao Comando Sul dos EUA, sede da inteligência militar para segurança das Américas central e do Sul. Lá, será assinado o Acordo para Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação, peça-chave na cooperação bilateral em Defesa. O acordo viabilizará a execução conjunta de projetos que tiveram a perspectiva aberta com a designação de "aliado extra-Otan". Na segunda-feira, Bolsonaro participa do Seminário Empresarial Brasil-Estados Unidos na Flórida,com a presença do prefeito de Miami, Francis Suarez, e do senador republicano Rick Scott. O presidente deve se reunir no mesmo dia com o senador Marco Rubio, um dos principais responsáveis por delinear a política externa do governo Trump para a América Latina, incluindo a posição dura contra a Venezuela de Nicolás Maduro. Na terça, Bolsonaro faz o discurso de abertura da Conferência Internacional Brasil Estados Unidos e, em seguida vai a Jacksonville, também na Flórida, para visitar a fábrica da Embraer. O presidente volta ao Brasil na quinta. Durante a viagem, será assinado um acordo com o Departamento de Tesouro para a adesão do Brasil ao programa América Cresce. A iniciativa promove projetos de infraestrutura na América Latina. Na agenda fornecida pelo Itamaraty não consta uma reunião com representantes da Tesla,fabricante americana de veículos elétricos. Bolsonaro anunciara no Twitter no fim de fevereiro que a viagem serviria para discutir "a possibilidade da Tesla no Brasil".

"Depois de longos anos, décadas, de os governos brasileiros terem uma certa desconfiança do governo americano, essa desconfiança acabou, e queremos nos unir, nos aproximar cada vez mais"

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil "Nós vamos jantar em Mar-a-Lago. Ele queria jantar na Flórida, se fosse possível, o presidente do Brasil, então vamos fazer isso" Donald Trump, presidente dos EUA