O Globo, n. 31474, 09/10/2019. País, p. 12

E-mail mostra analista da Receita cobrando propina

Chico Otavio
Daniel Biasetto


A força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio encontrou provas de que o analista tributário da Receita Federal Marcial Pereira de Souza, preso na semana passada pela Polícia Federal (PF), utilizava um endereço de e-mail chamado “projetoalfredo@gmail” para cobrar propina de empresários em troca do cancelamento de multas milionárias por sonegação fiscal.

Com a colaboração do Google e de uma operadora telefônica, a partir da quebra de sigilo telemático autorizada pela Justiça, foi possível confirmar que uma das mensagens de achaque contra o delator do esquema partiu de um celular conectado a um modem registrado em nome de Marcial.

O e-mail em questão foi utilizado pelo Ministério Público Federal (MPF) como prova no pedido de prisão do analista. Nele, Marcial pressiona o contador Rildo Alves da Silva a pagar valores acertados previamente. O contador havia sido indicado pelo empresário Ricardo Siqueira Rodrigues, delator do esquema, para acertar o pagamento de propina em troca de vantagens na fiscalização da Receita.

“O documento que você recebeu é bem claro. Trata se do calendário 2013. Sinalização maior que está controlado não há. Combinamos que toda correspondência recebida e por ele enviada (desta outra etapa) nos seria repassada. Até o momento não nos foi repassado nada. Por fim, os valores acertados ainda não foram pagos”, diz e-mail do dia 25 de outubro de 2018.

O Google informou aos investigadores os IPs dos últimos acessos ao e-mail em questão e foi possível apurar que a conexão à internet ocorreu por meio da operadora utilizada por Marcial.

Em trecho do documento do MPF enviado ao juiz Marcelo Bretas para reforçar o pedido de prisão de Marcial, os promotores dizem que “solicitados os dados cadastrais do usuário que, utilizando-se do serviço da operadora, conectou se à internet por meio dos IPs e horários identificados, a operadora informou que a conexão ocorrida no dia 28/ 04/2019 de 12h46min06s às 13h05min17s deu-se a partir de um modem instalado em nome de Marcial Pereira de Souza”.

Funcionário público desde 1993, Marcial estava lotado na Divisão de Controle e Acompanhamento Tributário, que, entre outras funções, cuida do parcelamento do débito reconhecido por devedores. Ele foi preso junto com a mulher, Monica da Costa Monteiro Souza, durante a Operação Armadeira.

Flagra

Imagens anexadas ao pedido de prisão de servidores da Receita, incluindo Marcial, mostraram três encontros dele com o delator Ricardo Siqueira Rodrigues. Segundo os investigadores, os dois teriam tratado sobre cobrança de propina. Parte dela teria sido depositada por Ricardo em uma conta registrada no nome de Marcial e da mulher dele, em Portugal. A parcela em questão foi estimada em 50 mil euros (cerca de R$ 225 mil).

O MPF afirma que as imagens dos circuitos internos de vigilância dos estabelecimentos onde ocorreram os encontros entre Marcial e Ricardo (nos dias 5, 9 e 17 de novembro do ano passado), comprovam as cobranças feitas pelo analista.

Na Operação Armadeira, a PF e o MPF cumpriram 12 mandados de prisão contra auditores e analistas. Além disso, os agentes executaram 41 mandados de busca e apreensão em endereços do grupo criminoso e de parentes de seus integrantes. Foram apreendidos pouco mais de R$ 1 milhão, US$ 3,7 mil e 3.990 euros.