O Globo, n.31.583, 26/01/2020. Sociedade. p.32

Pasta de Damares liga sexo precoce à violência
Renata Mariz
Paula Ferreira 


 

Uma nota técnica do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), produzida para orientar a campanha de prevenção da gravidez na adolescência que o governo vai lançar, afirma que o início precoce da vida sexual leva a “comportamentos antissociais ou delinquentes” e “afastamento dos pais, escola e fé”, entre outras consequências. A campanha de mobilização faz parte da política da ministra Damares Alves, titular do MMFDH, de incentivo à abstinência sexual entre a população mais jovem.

A equipe de Damares Alves indica, no documento, que desaprova a abordagem atual de educação sexual na escola, argumentando que 70% dos estudantes de 13 a 15 anos relatam não terem feito sexo. A fonte citada é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada pela pasta da Saúde e pelo IBGE, em 2015. O ministério sustenta que ensinar métodos contraceptivos para essa população “normaliza o sexo adolescente”, tendo em vista que nem todos iniciaram a vida sexual. Cita ainda a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como responsável por prever tais conteúdos à faixa etária em questão.

A nota tramita no Sistema Eletrônico de Informação do Governo Federal e foi assinada no último dia 21 de janeiro. Ela diz conter informações elaboradas por técnicos do MMFDH. As premissas da campanha ditadas pela equipe de Damares, no entanto, entraram em rota de colisão com o Ministério da Saúde, que vai custear a mobilização orçada em R$ 3 milhões e prevista para começar em fevereiro.

DEFESA DA AUTONOMIA

O MMFDH pediu que a campanha apresente, além dos métodos anticoncepcionais mais comuns, a opção do adiamento da vida sexual. Sugeriu inclusive slogans para as peças da campanha, como “Esperar é uma escolha”; “Pense duas vezes antes de se relacionar sexualmente”; “Se decidiu não esperar, a prevenção é necessária”.

A nota menciona que a campanha deve trazer informações que ajudem na autonomia para a tomada de decisão de esperar ou não iniciar a vida sexual, tendo em vista a pressão externa e o projeto de vida. Um documento interno do Ministério da Saúde para orientar a campanha aponta como diretriz o reforço da autonomia e do protagonismo para a escolha sobre o início da vida sexual e a disponibilidade de métodos contraceptivos.

Em nenhum trecho da nota técnica elaborada pela pasta da Saúde há menção a “adiamento da vida sexual” ou expressão semelhante. Contrariando mais uma vez a pasta de Damares, a nota técnica do Ministério da Saúde diz ainda que a educação sexual não é um estímulo à atividade e sim uma maneira de produzir insumos para que os jovens façam a escolha mais alinhada às suas expectativas. Ela aborda o envolvimento das famílias nas discussões sobre sexo e a importância de os adolescentes conhecerem o próprio corpo.

Um dos principais pontos levantados no documento da pasta comandada pelo ministro Luiz Henrique Mandetta é a necessidade de prevenir a gravidez precoce com base na ciência e menciona a importância de consultar o público-alvo antes de desenhar a política pública.

A diferença de visão sobre o tema se tornou evidente nas reuniões para tratar a campanha. De acordo com fontes envolvidas nas negociações, a campanha não deve sair exatamente nos termos orientados pela pasta de Damares. Será um meio termo entre as demandas dos dois ministérios. Não há, nas diretrizes para a campanha, sugestões de slogans, conforme proposto pelo MMFDH. Ficará a cargo da agência de publicidade a ser escolhida em concorrência pública criar o lema da mobilização. Outra orientação é que a campanha tenha como público-alvo jovens entre 15 e 19 anos, pais e responsáveis.

DIU É VETADO

A Saúde também teve que ceder. Ficou definido que a campanha não tratará de uso de DIU ou pílula do dia seguinte, embora sejam métodos contraceptivos considerados nas estratégias de saúde para uso eventual nessa população na prevenção da gravidez. As peças publicitárias também deverão se abster de mencionar ou estimular o início da vida sexual. Líderes religiosos estão entre o público secundário a ser atingido, ao lado de profissionais de saúde e da educação, formadores de opinião, entre outros.

O uso de influenciadores digitais é visto como essencial para atingir os jovens, com criação de hashtags, tendo em vista que as redes sociais são o principal foco da campanha. O material deve entrar no ar no início de fevereiro, quando ocorre a semana de Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, data de mobilização criada por lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Procurados, o MMFDH e o Ministério da Saúde não se pronunciaram.